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Casei-me por engano, por insistência de um vendedor de livros. Ou ele me conquistou com as primeiras palavras?

Já nem lembro muito daquela tarde, depois de tantos anos também, não é mesmo?

Ele ligou uma vez, outra, outra e na última, não aguentei e rabujei:

“O senhor já ligou pra cá um montão de vezes. Cansa não?”

O homem mudou o tom de voz, derretendo-se em desculpas e acabou raptando toda minha atenção para seu trabalho, paixão pelos livros que vendia, divulgava. Amor pela vida e o arco-íris tem mais que sete cores e ... não resisti.

“Não precisa desligar agora, continue”.

Conversamos por mais umas duas horas no antigo e caro telefone fixo.

Ao final, fui certeira que nem flecha:

“O senhor é casado?”

Ele me deixou vermelha com um delicioso “não”.

“Então, pode ligar a hora que sentir vontade”.

Estamos ligados há quase quarenta anos”.

 

... farelos por aí ...

          Crédito da imagem: Adriana Galindo 





Aprendi com o João Londrina que a tábua de pinho tem poucas funções. Serve para as formas onde entram as vigas, ferragens, ramagens de sustentação.
Lá recebe o concreto e depois não suporta muitas  reutilizações.
Dependendo do jeito que o pedreiro bate ou retira o prego, ela se desmancha. Em pouco tempo, a tábua  apodrece.
Disse pro João Londrina que, mesmo sendo muito frágil, a tábua tem serventia.
Já a poesia, conforme ensinou nosso vô Manoel de Barros, “a poesia não serve pra nada”.
João Londrina ficou assim inquieto e fez outra revelação:
– Ah, a tábua de pinho também serve pra fazer caixão, menino!
Virei pra ele e, de olhos fechados, suspirei. Depois, soprei o desfecho da nossa conversa:
– A poesia serve pra tudo!   

... farelos por aí ... 



Amar? Não quero mais. Já passei da idade. Chega. Um foi e fechou a conta. Só quero namorar. Viajo, dez dias na roça, quando volto, ele vem todo cheiroso me receber: “Ai que saudade, meu moranguinho!” Agora, pro sinhô vê eu tô que nem uma melancia e ele vem com todo esse carinho. Já tá beirando uns doze anos esse romance. Num quero compromisso. Já pedi pra me largar. “Beto, arruma uma moça mais nova, casa, forma uma família. Cê é novo. Ele não desiste, vira pra mim:” É de você que eu gosto, você vale mais que dez, minha rainha”. Agora, o sinhô me dê licença que vou me arrumar, o Beto tá quase chegando.

... farelos por aí ...
Crédito da imagem: https://pt.dhgate.com/discount/painting-canvas-rain-on-sale.html                               

Tô fechada com o patrão. Ele é quem tá com a razão. Esse lance de  estudos aí num tá com nada não. Tô fora.
Cê num viu a filha da dona Nair? Faltou de serviço pra fazer umas provas e ... pá! Perdeu o emprego.
O troço de escola num enche barriga, moço. O patrão tá com a razão. O que uma pessoa da minha idade vai caçar fazer em uma faculdade? O senhor tá louco?
Eu lá vou perdeu tempo, ouvindo essas besteiras de política? O patrão é quem explica tudo direitinho pra gente.
Outro dia ele inté falaou que essa parada de escravidão nunca existiu nessas terras. Verdade! Disse que é conversa fiada.


... farelos por aí ... 






Crédito da imagem: "Relevo", de Frans Krajcberg, obra da Coleção da Fundação Edson Queiroz

É só por uns tempos. No beco ele não vem, não vai me procurar. Não tivemos filhos. 18 anos juntos e veio a bebida e destruiu tudo: a alegria, o prazer de viver a dois, o respeito. Enquanto gritava comigo estava bom. Eu sei... parece mentira. Mas o dia que ele deu uma pancada no rosto com toda força e ódio do mundo, juntei minhas roupas e documentos, fui parar na delegacia, registrei um BO, lá me encaminharam para o hospital, tirei os pontos na semana passada. Agora, vou trocar umas sílabas com a dona do barracão. Quero passar mais uns tempos aqui.

... farelos por aí ... 


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