– Quer dizer que agora você está correndo?

– Não é bem assim. Estou bem no começo.

– De vez em quando te vejo treinando lá perto de casa. Parabéns!

Dessa conversa com o motoboy de um restaurante local, aprendi a lidar com duas situações que ajudaram nos meus primeiros passos.

Renato treinava, naquela época, uma média de 4 vezes por semana. Com isso, demonstrava certa experiência. Em outras conversas, confirmou a participação em algumas provas, mostrando o quadro de medalhas no celular.

À medida que fazia entregas em nossa casa, ele fazia questão de tocar no assunto: “E aí, tá firme nos treinos?” Usava palavras do mundo da corrida que só fui aprender e experimentar mais tarde.

Voltando à situação inicial, que está diretamente ligada a esses termos, um dia ele perguntou qual era o meu “pace”, já que eu pretendia correr uma prova de 5 km ainda naquele ano.

– O que é isso? Como a gente encontra esse trem? – foi minha mais sincera resposta.

O rapaz não conseguiu segurar o riso. Com a maior paciência, explicou que se tratava do ritmo médio de um corredor em uma determinada distância e que isso era medido em minutos por quilômetro.

A essa altura, ele me mostrou o aplicativo de corrida que usava. Pediu licença para instalá-lo no meu celular e, com boa vontade, explicou como eu deveria utilizar a ferramenta.

Antes de finalizar a entrega, surgiu a outra situação embaraçosa:

– Bem rápido, tem como mostrar o tênis com que você está correndo?

Assim que mostrei o par de sapatênis, já bem detonado, ele sorriu novamente e passou outras dicas breves:

– Moço, com isso não dá pra treinar. Você vai acabar se machucando. Faça o seguinte: primeiro, vai a uma loja e pede para experimentar tênis para corrida, entendeu? Sabendo o modelo e a numeração, depois você compra pela internet e aproveita umas promoções, entendeu?

Sim, entendi uma parte daquelas orientações: eu precisava de um outro pisante.

Lição: Utilizar um aplicativo gratuito de corrida e providenciar um tênis confortável, específico para corrida, vão ajudar bastante nessa modalidade esportiva.


 


                                                              

Por um mínimo de resistência física, era hora de voltar à academia, mesmo que de maneira esporádica durante a semana. Não sei avaliar se foi a alternativa mais adequada para o contexto, mas entendia que precisava perder peso para começar a correr.


Minha ficha sempre incluía atividades na esteira: caminhada ou corrida leve. Recordo-me de que aqueles 10, 20 e 30 minutos eram difíceis, tanto pela exigência de um corpo sedentário quanto pela monotonia. A vontade de desistir era grande, mas o Desafio nem havia começado.


Após algumas semanas, em uma tarde de domingo melancólica, criei coragem, nem sei de onde, calcei um sapatênis e fui caminhar na Cidade de Minas, a principal rua da nossa quebrada. Guarde esse nome, porque, vez ou outra, vou mencioná-lo por aqui.


Não sei como, mas consegui dar duas voltas naquele dia, sem parar nenhum momento. A caminhada durou uns 50 minutos e senti pela primeira vez o tal cansaço de uma atividade física.


Quando contei para o treinador da academia, ele vibrou com a iniciativa e disse que eu deveria fazer isso mais vezes durante a semana, e que, em breve, já conseguiria até correr. Levei um tempo para acreditar naquele incentivo. "Ah, deve ser mais um papo de professor de Educação Física".


Eu estava enganado. No mês seguinte, já conseguia repetir a ficha da esteira na rua. Corria 3 minutos e caminhava 1, e fui ampliando as variações. Claro que o tempo de corrida parecia uma eternidade, mas fui “destravando” e começando a perceber alguns sinais de progresso.


Quanto tempo gastei para alcançar a primeira conquista? Não faço a menor ideia, mas correr o primeiro quilômetro na Cidade de Minas foi um dos dias mais felizes da vida daquele sedentário.


Lição: O dia em que você conseguir correr seu primeiro quilômetro, comemore. Foi o que fiz e, de lá para cá, aprendi a comemorar todas as conquistas. Correr aqueles 1000 metros representou um sinal de esperança.


 


A data exata eu não sei informar, mas acredito que tenha sido no final do primeiro semestre de 2018. Em uma das rotas de casa para o trabalho, tenho o privilégio de passar pela região da Pampulha. Adianto que foi lá onde tudo começou.

Aconteceu em uma daquelas manhãs, depois de ver tantas pessoas caminhando ou correndo. Recordo-me de ter soltado a seguinte frase:

– Um dia, vou participar da Volta Internacional da Pampulha.

Na hora, a garotinha se ajeitou na cadeira, parecia um pouco desconfiada, mas logo retrucou:

– Correndo, pai? Coitado!

Ela nem esperou uma explicação. Não tive tempo nem de abrir a boca direito.

– Eu duvido. Você não dá conta de brincar com a gente direito.

A verdade. Ela só falava a verdade, mas aproveitou para rir à vontade. Pensou que eu estava de brincadeira, que seria mais uma daquelas falsas promessas. Mas, como fiquei sério, ela mudou o tom da conversa:

– Já que é assim, te desafio a correr a volta, então!

– Desafio aceito!

Claro que, naquele momento, eu não tinha a mínima ideia da aventura que tinha pela frente. Como aceitar o desafio de correr 17,8 km sem nunca ter trotado 1 km inteiro? Guardei aquilo só para a família, porque, se dissesse para outras pessoas, com certeza iriam me chamar de louco.

Maluco ou sem noção, não tinha como desistir. Eu havia prometido à minha filha. E tinha certeza de que, se não cumprisse, ela sempre iria tocar na derrota.

Com aquele quadro de sedentarismo e a balança em pé de guerra com minhas medidas, você já deve imaginar para onde tive que voltar para dar os primeiros passos rumo ao desafio.


 

 

Um jeito na vida assim de uma hora para outra?

Quando o assunto é atividade física, no meu caso, nada aconteceu tão rapidamente. Enfrentei alguns tropeços, especialmente na época em que o médico recomendou a musculação.

Baixa imunidade, resistência frágil, alimentação irregular e o retrato do sedentarismo foram sinais que me indicaram a necessidade de procurar uma academia perto de casa. Nem preciso dizer o quanto admirava o ambiente da academia.

Era fevereiro. Uma academia recém-inaugurada, com todas aquelas promessas encantadoras. A conversinha mansa dos proprietários e lá fui eu, comprar um pacote anual, mais em conta. O desconto era interessante. Os benefícios, infinitos.

Surfei um pouco na onda do verão, vésperas de carnaval, e a academia estava lotada. Com certo esforço, ia três vezes por semana. O resultado começou a aparecer, mas, lá por abril, peguei dengue. Com os sintomas, claro, sem chance de fazer qualquer atividade física. Uma semana de molho.

Outra semana sem frequentar a academia. Depois, ia, no máximo, duas vezes por semana. Minha carga horária de trabalho aumentou e ficou fácil inventar desculpas para abandonar a musculação. Não é o final da história ainda, mas a moral você já conhece: tornei-me um patrocinador daquela empresa.

Do efeito sanfona ao retorno ao perfil de sedentário foi um pulo. Desde então, nunca mais paguei por um pacote promocional. O pessoal até fica irritado comigo, mas peguei ranço desses “descontos”.

Antes de voltar a caminhar, reforço que continuo não gostando da academia. Só vou por necessidade e para continuar firme no propósito, evitando complicações que vou tratar ao longo da nossa jornada.




 



Até o ano de 2018, a atividade que mais me causava preguiça era a tal da caminhada. A ideia de colocar uma bermuda, uma meia, calçar um tênis e ir para o parque caminhar parecia uma das atividades mais sem noção do mundo.


Outra verdade: atividade física nunca foi meu forte. No futebol, minha habilidade como gandula é, no mínimo, questionável. Sempre tive um certo interesse pelo basquete, mas, assim como no vôlei, acreditava que, além de altura, era preciso tino e jeito para a coisa.

Como centenas de crianças das décadas de 80 e 90, influenciadas por astros como Bruce Lee, Jean-Claude Van Damme e Jackie Chan, cheguei a sonhar que seria um praticante de kung fu. Delirava com as cenas de kickboxing e, para minha surpresa, cheguei até a fazer aulas experimentais de Taekwondo.


Certa vez, meu irmão mais velho, depois de assistir a uma de minhas “lutas” com o primo na rua, comentou: “Para você, que não é de briga, o melhor é praticar o esp-2 (corrida de alta velocidade). Para não apanhar tanto, você tem que ser ligeiro”.


Ali residia a verdade: adoro ficar longe de brigas e confusões. Só que isso não mudava o fato de eu ser desajeitado, e até hoje ter uma coordenação motora digna de palco de comédia.


Talvez, seja por conta dessa carência de habilidade com praticamente todos os esportes que desenvolvi uma certa repulsa à caminhada como atividade física. Inocentemente, achava que já havia caminhado demais na vida, afinal, ao longo de toda a educação básica, ia e voltava para a escola a pé.


Por que tanto ranço com a caminhada? Em palavras, reproduzo a seguir uma espécie de fotografia dos pensamentos que eu tinha naquela época. “Oh, que raiva desses médicos que vêm com esse papo de fazer caminhada. Quer saber? Não tenho paciência para esse troço, não. Caminhada é perda de tempo, gente. E a máxima dos preconceitos: caminhada é exercício para velhos e pessoas que não têm nada o que fazer na vida.”


Reconheço que essas imagens dos meus antigos pensamentos podem até assustar. Confesso que não consigo imaginar que pensei assim por tanto tempo, mas, como prometido, não vou mentir. Tive que registrar isso em palavras.


A esta altura, peço ao Universo que perdoe todas as pessoas que praticam caminhada, aquelas que eu tratei com tanto preconceito. Perdão também pelas desculpas esfarrapadas que inventei para não caminhar com as pessoas mais próximas, especialmente minha esposa e minhas filhas.


Falando em filhas, e antes de contar como comecei a caminhar, sempre me recordo de um episódio em dezembro de 2015. Acredito que tenha sido meu primeiro grande sinal de sedentarismo: eu ficava ofegante só de abaixar para amarrar o cadarço do tênis.


Naquele fim de ano, enquanto brincava com minha filha, percebi que caminhar rápido estava ficando muito difícil. A verdade, que demorei a aceitar, era que meu preparo físico estava bem perto da nota zero.


Era hora de dar um jeito nesse capítulo da minha vida.


 

Contagem, 14 de julho de 2024

 

Querida Amanda Ribeiro,

 

Espero que vocês tenham chegado bem em casa; que o motorista do Uber não tenha se perdido nos becos e esquinas da quebrada. O trânsito já estava  preparado para o retorno, pouso e pausa das poetas?

Nessa manhã disfarçada de inverno, um monte de outras perguntas chegaram com tudo sobre a última noite. E, claro, venho compartilhar algumas... quem sabe a gente não dá conta de deixar registrado, em palavras, o último encontro?

O II SARAU do Livros em todo lugar foi, para você e para a atriz Thaís Senra, uma espécie festa da literatura?

Será que conseguimos dar a devida atenção a todos que marcaram presença, em especial, a vocês que atravessaram a cidade (mais de 18 km)?

A dança na abertura do evento e o varal com textos da literatura contemporânea?

E Adélia, que não trabalha na rádio, lá toda contente de prosa com os versos de Cora Coralina?  

Será que algum convidado se importou com a porta da geladeira de livros em constante movimento?

As perguntas são muitas e infindas. Por isso, a fim de evitar mais um mini podcast no seu celular, resolvi lhe escrever esta carta.

Não estou nem aí para o que o povo vai dizer desse gênero (antigo)  que nos permite versar sobre um encontro de celebração da arte. 

Ah, escrevo-lhe do meu Caderno Azul, mas sobre isso ficará para outra correspondência, combinado?

Poeta amiga, hoje, eu só quero mais uma vez lhe dizer: MUITO OBRIGADO!

Muito obrigado por nos presentear com sua presença, poesia e participação!

Um forte abraço e

... farelos por aí ...

 

PS: você é uma artista cidadã solidária (ACS), reconhecida pelo Robin Hood da Quebrada, vulgo Alfredo Lima

    


  Para Joel Jota 

Às tardes de terça, passava uma vendedora de redes na nossa rua e eis que um dia:

– Todas as casas precisam de pelo menos uma rede, senhor! Essa aqui tamanho família, então, tem tudo para se acomodar em sua casa.

A moça leu o interesse no meu silêncio, desenrolando todos os modelos e cores diante da minha respiração.

– Maria da Esperança é meu nome. Pode comprar sem medo, senhor Joel.  


Sem abrir a boca, espantado, simulei o gesto do ... “Como assim?”

– Não se preocupe. Sei o nome de todos moradores. Qual peça vai levar hoje?

A resposta ficou aguardando a deixa, enquanto Maria da Esperança discorria seu “corre”: criança na escola, ajeitada na casa de Dona Marlene, almoço, as obrigações do dia.

– Me conte uma coisa, Maria: se você vendesse todas essas redes de uma única vez, o que faria com a grana?

– Ah, a primeira coisa? Eu agradeceria aquele lá de cima. Isso seria Ele atendendo um milagre; é que peço todo dia por isso.

O vento mudou de direção de repente para que eu pudesse sentir a verdade nas palavras de Maria da Esperança.

– Depois pagaria o fornecedor das redes, pois o que é meu é meu, do outro é do outro, o justo, sabe?

A moça foi desenrolando todas as partes de um plano muito arquitetado:

– No próximo final de semana, eu voaria pro Ceará com meus filhos. Íamos visitar mamãe. Só assim o caçula vai conhecer a vó. São sete anos, senhor Joel.

Naquela hora, o suspiro da guerreira. Ofereci água à Maria, assim ela ia se recompondo, aos poucos, um respiro. Muito forte.

– Vou lá buscar água. Faça-me um favor, enquanto isso: calcule o valor de todas as redes, preço real, sem desconto, entendeu?

– Sim! – disse dona Esperança, mãos trêmulas na bolsa atrás da calculadora.

Água na jarra, o copo, o celular e chamei os meninos para a rua.

– Aqui um pouco de água. Se quiser um suco, a gente prepara. Esses são meus tesouros ... fez a soma?

– Muito obrigada! Que meninos lindos o senhor tem. Ah, o valor é esse aqui, ó!

– Você aceita mais um pouco de água?

– Tô satisfeita! Deus aumente. Já vou indo.

– Com licença, mas não vá ainda. Qual é a chave do seu PIX, Maria? Os meninos ficara olhando a reação da moça.

Nessa hora, Maria mudou de cor e começou a sorrir e a ficar inquieta até que seus olhos passaram a brilhar ainda mais. Ela havia entendido que eu também acredito em milagres.

– Maria, no próximo final de semana vocês estarão na casa de sua mãe. Filhos, todas essas redes são nossas... agora.

A essa altura, Maria Esperança deve estar a agradecer pela nova quantia na conta, o ato, o fato. Um milagre?

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