Para Júlia Macedo

Nesses últimos dois dias acordei mais tarde, sem nenhuma dor na inconsciência das tarefas que também necessitam de pausa, descanso.

A caminhada pode ficar para o dia seguinte. Que a gente desconte na bike e fortaleça os joelhos. Que as responsabilidades tirem uma soneca regada a música instrumental.   

Só para constar: hoje é domingo, 10 de outubro de 2021. Na Grande BH o clima está mais para o Natal antecipado do que para tão aguardada Semana de Outubro.

Nesse momento, estou exercitando uma das coisas que mais aprecio na vida: escrever. Uma escrita sem o calor inquieto da entrega, sem a responsabilidade do tempo. Apenas com a preciosa missão de não servir para nada, de ser inútil aos leitores. A escrita sem pretensão, aquela que não foi encomendada, despojada de qualquer interesse de quem a inscreve no azul-água da página, companheira do cotidiano.

Agora, leitor, repare bem que na escrita até errando a gente acerta. Até não procurando a gente encontra. Veja que esta página de diário começou falando de cosias insignificantes, quebra de hábitos, atmosfera do feriado e de um monte de ideias despejadas sobre a escrita ordinária.

Veja bem, leitor(a), ao final do quarto parágrafo: a página é uma companheira do cotidiano! Só aí entendi a necessidade desse registro aparentemente aleatório. Enquanto não dou sequência aos projetos da vida de escritor ou dou uma pausa para as atividades escolares ou ainda solicito silêncio aos projetos, a minha companheira quer saber o que se passa, as ideias precisam deitar-se nas linhas da esquina do vento.

Uma das magias da vida do artista é que nunca se sabe de qual rua sairá a ideia para continuar o percurso da criação; mas "os ventos sempre apontam a direção". Para isso é preciso estar na esquina sempre.  Estar na esquina é se preparar para o imprevisto, é acender a luz quando ainda não há escuridão, é preparar a lenha para todas as estações, é sentir o cheiro das refeições antes do imperativo da fome. Porque o sabor do prato está muito antes de seu preparo, flerta com o registro dos ingredientes da receita.

Estar na esquina é ouvir o ritmo distinto que representa a múltipla velocidade da vida, nos passos dos pedestres, no ronco dos ônibus lotados, na busca das pessoas em carros particulares ou nos aplicativos que reclamam da alta dos combustíveis (quem não reclama?)

Estar na esquina é demonstrar amor e carinho à página do cotidiano. E isso a gente faz... escrevendo.  

 ... farelos por aí ... 

O retorno ao Ensino Presencial possui – entre muitos ângulos e desafios – uma perspectiva que flerta com o cômico.


Começando pelo uso da máscara:


recordo-me que no primeiro horário do dia, eu não enxergava os alunos: óculos visivelmente embaçados.


Para alguns estudantes, eu parecia um fantasma perdido de costas para o quadro branco.

 

Lá pelas tantas do sexto horário, 12h15, uma aluna muito gentil me instruiu:

 

– Farelo, coloque seus óculos bem na ponta do nariz, assim não terá problemas.


E não é que está funcionando até hoje?! Embora fique com a aparência do célebre professor Pardal... tudo bem. Resolve. Muito obrigado, querida L.S!


Seguimos com os abraços contidos:


vira e mexe surgem uns alunos lá do século passado*, gritando desesperados, felizes pelo reencontro, já chegam com os braços esticados para o abraço.


Seguindo os protocolos, grito mais alto ainda: a aglomeração! Cuidado com os contatos! Vamos deixar isso para depois, gente!


Felizmente nossos alunos respeitam, a gente conversa e mata a saudade pelos sorrisos do olhar.


E tem os novatos! Deles a gente só conhecia a voz:

 

– Fala, Farelo! Bom demais?

 

– Acho que você não está me reconhecendo.


Claro que não, às vezes, tive vontade responder. Você usava um avatar na plataforma, meu querido.


Ah, depois de tanto vexame, sentindo-me em outro planeta, resolvi adotar a seguinte estratégia: “Quem é você?”


Se algum colega ainda não usou essa técnica, vai por mim: funciona. 


Uma última curiosidade, se a crônica permitir. De tanto subir e descer escada, andar pelo colégio, parar de comer toda hora, vamos chegar bem ao verão.


Aos poucos, a gente vai se adaptando aos exercícios de desaprendizagem, como bem disse vovô Manoel.  


O que você me conta desse retorno ao Ensino Presencial?

 

 


* século passado: modo carinhoso a que me refiro ao período anterior à pandemia.

 

... farelos por aí ... 

 


Quanto menor a letra, mais firme a convicção: a escrita abrirá outros poros na areia da existência.

 

Vem o vento e tampa os buracos e muda a estação e eu não estou nem aí para as sábias mudanças previstas no Calendário dos Previsíveis.

 

Já disse e repito:


– Curto mesmo são as frases da lua, as orações do ano e, principalmente, o intervalo em que as andorinhas encontram os pardais, ao fim do dia, para conversar sobre as migalhas do caminho, o farelo cinza dos fios elétricos.

 

Caderno Azul, 2021.p.44

...

 


 



 


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Um pouco antes das 09h, corri ao sacolão. E lá, exatamente no caixa, uma garota roubou a cena.

 

A pedido da mãe, ela pegou o pacote da promoção, completando as compras. Voltou para a fila, retirou o cartão de uma pequena bolsa, informou que o pagamento seria no débito.

  

A mãe, toda orgulhosa da atitude da pequena, acompanhava todo o processo. Os clientes pararam para assistir à desenvoltura daquela garotinha nos seus 07 anos.

 

– Meus parabéns! Você é muito esperta!

 

– Muita obrigada! Eu que cuido das finanças da minha mãe.

 

Todos os clientes riram e elas saíram carregando as sacolas.

 

Eu ainda nem tinha feito o pagamento da minha pequena compra, quando ouvi:

 

– Moço! Moço! Eu te conheço!

 

Nesse tempo com máscaras, vira e mexe a gente acaba não reconhecendo alguns moradores da quebrada. Acontece.

 

– Você é o moço dos livros! Eu estudei teatro com sua mulher.

 

De fato, eu não me recordava. Parece que a pandemia já dura uma década. A gente se perde ou perdeu. Não é mesmo?  

 

Assim que se reapresentou, ativei todas as suas atuações no palco e nos bastidores da Cena. Por alguns segundos, um enredo se desenrolou nas páginas da minha memória.

 

A menina contou que mudou de casa, está morando em um apartamento agora. Ao final, passou o novo número do telefone da mãe, que aguardava no outro lado do passeio.

 

– Quando começar o teatro você pede a professora para ligar para minha mãe?

 

– Claro!

 

– Promete mesmo, moço?

 

Aquela antiga aluna mudou o ritmo do meu dia. Aquela menina, provavelmente não sabe, mas no início daquela manhã trouxe um feixe de luz para toda família. Ela foi o assunto do dia, tema especial para essa crônica com tinta de recomeço.   

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