Até o ano de 2018, a atividade que mais me causava preguiça era a tal da caminhada. A ideia de colocar uma bermuda, uma meia, calçar um tênis e ir para o parque caminhar parecia uma das atividades mais sem noção do mundo.


Outra verdade: atividade física nunca foi meu forte. No futebol, minha habilidade como gandula é, no mínimo, questionável. Sempre tive um certo interesse pelo basquete, mas, assim como no vôlei, acreditava que, além de altura, era preciso tino e jeito para a coisa.

Como centenas de crianças das décadas de 80 e 90, influenciadas por astros como Bruce Lee, Jean-Claude Van Damme e Jackie Chan, cheguei a sonhar que seria um praticante de kung fu. Delirava com as cenas de kickboxing e, para minha surpresa, cheguei até a fazer aulas experimentais de Taekwondo.


Certa vez, meu irmão mais velho, depois de assistir a uma de minhas “lutas” com o primo na rua, comentou: “Para você, que não é de briga, o melhor é praticar o esp-2 (corrida de alta velocidade). Para não apanhar tanto, você tem que ser ligeiro”.


Ali residia a verdade: adoro ficar longe de brigas e confusões. Só que isso não mudava o fato de eu ser desajeitado, e até hoje ter uma coordenação motora digna de palco de comédia.


Talvez, seja por conta dessa carência de habilidade com praticamente todos os esportes que desenvolvi uma certa repulsa à caminhada como atividade física. Inocentemente, achava que já havia caminhado demais na vida, afinal, ao longo de toda a educação básica, ia e voltava para a escola a pé.


Por que tanto ranço com a caminhada? Em palavras, reproduzo a seguir uma espécie de fotografia dos pensamentos que eu tinha naquela época. “Oh, que raiva desses médicos que vêm com esse papo de fazer caminhada. Quer saber? Não tenho paciência para esse troço, não. Caminhada é perda de tempo, gente. E a máxima dos preconceitos: caminhada é exercício para velhos e pessoas que não têm nada o que fazer na vida.”


Reconheço que essas imagens dos meus antigos pensamentos podem até assustar. Confesso que não consigo imaginar que pensei assim por tanto tempo, mas, como prometido, não vou mentir. Tive que registrar isso em palavras.


A esta altura, peço ao Universo que perdoe todas as pessoas que praticam caminhada, aquelas que eu tratei com tanto preconceito. Perdão também pelas desculpas esfarrapadas que inventei para não caminhar com as pessoas mais próximas, especialmente minha esposa e minhas filhas.


Falando em filhas, e antes de contar como comecei a caminhar, sempre me recordo de um episódio em dezembro de 2015. Acredito que tenha sido meu primeiro grande sinal de sedentarismo: eu ficava ofegante só de abaixar para amarrar o cadarço do tênis.


Naquele fim de ano, enquanto brincava com minha filha, percebi que caminhar rápido estava ficando muito difícil. A verdade, que demorei a aceitar, era que meu preparo físico estava bem perto da nota zero.


Era hora de dar um jeito nesse capítulo da minha vida.


  


- Que papo é esse que você lê menos livros que a gente?

Por um tempo, eu cansei de explicar os motivos, as razões. Então, decidi escrever esta crônica na ilusão de deixar registrado esse meu perfil sincero a respeito da quantidade de títulos.

Que fique claro desde já: eu ostento a leitura, mas nunca a quantidade de livros. Convivo com alguns estudantes que são leitores assíduos, estão com hábito consolidado, que leem mais de 50 livros por ano.

Não entrando no mérito da velha questão da fábrica de tempo, reconheço que a rotina deles contribui bastante. Lá na minha adolescência, nas quebradas do Céu Azul, recordo-me que até a derrota do Brasil para a França, na Copa de 1998, eu tinha lido 44 livros.

Que fique claro, meus heróis, de vocês eu tenho o maior orgulho e admiração. Tenho o profundo respeito pela disciplina, pelo drible sinistro nas distrações das redes sociais, o bloqueio nas fontes ridículas de liberação de dopamina das telas. Sigam em frente!

Mesmo que de forma inútil, antes de tentar discorrer sobre meu perfil de leitor-tartaruga, gostaria de mencionar aqui a hipocrisia de alguns gurus das redes. Reconheço e admiro o trabalho sério de muitos autores, professores, bibliotecários, mediadores de leitura e livreiros nas redes, principalmente, no Youtube. Aprendo muito com esses parceiros.  

Por outro lado, não vou dizer nomes, que você possa os identificar. Passo a tratar dos gurus que leram-tudo e faço questão de crescer a lista de adjetivos: leitor-foguete, leitor-sabe-tudo e a leitora-trem-bala. Desses, meus heróis, quero que vocês mantenham distância.

– Hipocrisia não é muito forte, professor?  

Verdade. Picaretagem soa melhor. Os tais gurus só estão atrás de likes, de muitos e muitos comentários. São sempre os mesmos títulos que pairam na rede. Nem o leitor mais superdotado, com o maior tempo do mundo dá conta de ler e indicar tantos calhamaços em tão pouco tempo. 

Minha sugestão: desconfie desses gênios. Porque bem lá no fundo eles mal, mal leram algumas resenhas, comentários de outros perfis. A leitura integral dos títulos que indicam não acontece. Repito: eles só querem crescer nas redes sociais. Machado de Assis diria que esses aí são uns “medalhões”, ilustres leitores de aparência. Será que eles de fato leram os Papéis Avulsos do Bruxo do Cosme Velho?    

Agora, nesse contexto de aceleração, da velocidade dos cliques, da rolagem da tela, dos shorts, eu repito: sou um leitor lento. E cada vez mais importo menos com a quantidade de livros.

Ah, talvez quem sabe, comece a registrar o número de livros em função de um desafio que tenho para você, leitor, ao final desta crônica.

Que fique claro, novamente, eu ostento o processo da leitura. Quase sempre, estou lendo e estudando ao mesmo tempo. Leio com marca-texto ou com canetas coloridas, lapiseira 2.0 e post-it colorido. Há livros que compartilho com os estudantes; os teóricos/técnicos são para algum estudo específico e aqueles pelo bel-prazer de buscar entender o processo de criação do artista. Isso tudo contribui para uma leitura mais lenta e não faço questão nenhuma de mudar, por enquanto. Insisto.

Sem precisar mentir, o tio serão aqui muitas vezes é visto como chato e eu não estou nem aí. O lance é que tenho a consciência tranquila para falar só daquilo que li ou estou lendo. E no processo eu vou cultivando meus processos, implementando meu padrão. Como assim?

Ler no mínimo dois livros, ao mesmo tempo, é um tanto quanto satisfatório. Para as narrativas curtas (contos ou crônicas) leio nos intervalos das tarefas do dia a dia. Já para as novelas, os romances e livros técnicos, preciso separar um momento específico na agenda. Com isso, mesmo sendo tartaruga, sempre estou lendo e de verdade.    

  Nessa manhã li duas crônicas do José Falero, presentes no livro Mas em que mundo tu vive? Desde o ano de 2021, venho conhecendo o trabalho deste gigante da literatura contemporânea. Leitura sem hora para acabar. Leitura para ostentar, conhecer as estratégias, o processo criativo do autor.  

Ainda hoje vou ler alguns episódios da biografia de João Cabral de Melo Neto. Só por curiosidade, compreende? Ao longo da semana, vou começar a reler O Livro das ignorãças, do Manoel de Barros, livro adotado na escola.

Fico muito ansioso para esses momentos de leitura compartilhada, análise das obras literárias. Aí, sem dúvida, vou com a caixa completa de ferramentas, pois eis a deliciosa missão de apresentar aos meus heróis o contexto de criação e recepção de um novo livro, a construção da protagonista, a imagem poética, entre outras questões relevantes da metalinguagem.

Ah, sinceramente, espero que tenha ficado menos confuso o perfil de leitor-tartaruga. Se falhei na proposta, perdoe-me, mas não caia no golpe do leitor-foguete. Boas leituras!

 

PS: que tal ler pelo menos 02 livros por mês? Está bem, 01 livro, então. Bora?  

 

"... um grito de liberdade não se guarda na garganta". ( José Falero)

Aquela nota adormecida na garganta, 

coitada, muito tempo abafada 

pelas imposições sem o nexo das 

cobranças inválidas. 

A voz emudecida de quem precisa 

subir o tom, tornando-se 

irreconhecível aos distantes; porém 

o gigante das raízes, reconhecido

na força dos troncos, 

na segurança dos galhos, 

está consciente na 

respiração das folhas.

As cores do canto dançam

na leveza das flores e acenam 

para o sucesso dos frutos.

Eu vejo a árvore, 

respiro o perfume das estações do divino,

menino, sei que é hora de 

me preparar para o grito.   

...


– Não vá. Não vá ainda – disse a mulher, um pouco sem jeito, segurando meu braço direito.

Um pedido daqueles, naquele horário, o restaurante enchendo.
Quero apenas que veja a foto que tirei na última manhã – entusiasmada, entregou-me o celular.
A princípio, gostei da luz. Uma ponta da igreja, à esquerda, um tronco e nada demais. Pensei.
– Sabe quem sou eu na imagem?
Era a primeira vez que eu me sentava à mesa com a tal mulher. Um por acaso. Não fazia a ideia do que ela perguntava.
– Não precisa refletir muito. Eu sou a solidão da ave. Nessa idade, moço, eu só aprecio as extensões do vazio...
No caixa, descobri que Dona Robertinha, com quase oitenta, vai lá todos os dias (no mesmo horário) para se encantar com a alegria das crianças da escola.
Dona Robertinha é a melhor imagem do meu dia.

Caderno Azul
imagem: farelo

Outro dia eu quase convidei o Frentista Sorriso para tomar uma água de coco.

Era véspera de feriado, desses prolongados, bom para reunir toda família. O posto estava vazio, gasolina nas alturas.

– O senhor deseja mais alguma coisa? – quis saber, olhando para o capô.

– Apenas isso por hoje.

Digitei a senha, recolhi o comprovante e enquanto ajeitava o cartão, a despedida inusitada:

– Bom feriado pra você e sua família!

– Pra você também. Ah, se tiver churrasco lá amanhã, fico aqui até às 14h. Cê vem me buscar?

Assim, ele encerrou o atendimento, com o sorriso mais escandaloso do planeta.  

– Da próxima vez, o senhor vai abastecer com ele, certo? – indagou a caçula no banco de trás.

 

Caderno Azul

... farelos por aí ...

imagem: Pixabay

Era o canto de pássaro mais estridente da rua. Passei o portão e lá estava o canarinho em cima do poste, que fica de frente pra nossa casa. Cantava de estalar.

De repente sai da casa dele lá o seu Geovane, nosso vizinho e dono do amarelinho fujão.

– Toda vez que foge, ele não vai pra longe.

– Que canto incrível! Há quantos anos não ouço o canto de um canarinho, meu Deus!

– O senhor sabe por que ele tá cantando assim, afinado, alto, de parar o quarteirão?

– Sei não.

– Em conversa de passarinhos, ele está chamando a fêmea. Por isso que esse canário sempre voltou.

Nessa hora, eu não sabia se apreciava o canto ou buscava entender a história de amor que o moço me contava:

– ... ele só vai se a companheira for.

 


Caderno Azul

... farelos por aí ...

Crédito da imagem: Yassir Abbas

 


O seu Ronaldo ficou encantado com o par de tênis, o presente azul da garota de 12 anos.  

– Vai ver que foi por conta daquela música All Star que o Nando Reis fez pra Cássia Eller.

– Na verdade, não. Eu vi no filme Eduardo e Mônica com minha mãe.

– Êta família pra gostar do Anos 1980.

 


Caderno Azul

... farelos por aí ...

Crédito da imagem: Dan Cristian  Păduret 

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