O retorno ao Ensino Presencial possui – entre muitos ângulos e desafios – uma perspectiva que flerta com o cômico.


Começando pelo uso da máscara:


recordo-me que no primeiro horário do dia, eu não enxergava os alunos: óculos visivelmente embaçados.


Para alguns estudantes, eu parecia um fantasma perdido de costas para o quadro branco.

 

Lá pelas tantas do sexto horário, 12h15, uma aluna muito gentil me instruiu:

 

– Farelo, coloque seus óculos bem na ponta do nariz, assim não terá problemas.


E não é que está funcionando até hoje?! Embora fique com a aparência do célebre professor Pardal... tudo bem. Resolve. Muito obrigado, querida L.S!


Seguimos com os abraços contidos:


vira e mexe surgem uns alunos lá do século passado*, gritando desesperados, felizes pelo reencontro, já chegam com os braços esticados para o abraço.


Seguindo os protocolos, grito mais alto ainda: a aglomeração! Cuidado com os contatos! Vamos deixar isso para depois, gente!


Felizmente nossos alunos respeitam, a gente conversa e mata a saudade pelos sorrisos do olhar.


E tem os novatos! Deles a gente só conhecia a voz:

 

– Fala, Farelo! Bom demais?

 

– Acho que você não está me reconhecendo.


Claro que não, às vezes, tive vontade responder. Você usava um avatar na plataforma, meu querido.


Ah, depois de tanto vexame, sentindo-me em outro planeta, resolvi adotar a seguinte estratégia: “Quem é você?”


Se algum colega ainda não usou essa técnica, vai por mim: funciona. 


Uma última curiosidade, se a crônica permitir. De tanto subir e descer escada, andar pelo colégio, parar de comer toda hora, vamos chegar bem ao verão.


Aos poucos, a gente vai se adaptando aos exercícios de desaprendizagem, como bem disse vovô Manoel.  


O que você me conta desse retorno ao Ensino Presencial?

 

 


* século passado: modo carinhoso a que me refiro ao período anterior à pandemia.

 

... farelos por aí ... 

 


Quanto menor a letra, mais firme a convicção: a escrita abrirá outros poros na areia da existência.

 

Vem o vento e tampa os buracos e muda a estação e eu não estou nem aí para as sábias mudanças previstas no Calendário dos Previsíveis.

 

Já disse e repito:


– Curto mesmo são as frases da lua, as orações do ano e, principalmente, o intervalo em que as andorinhas encontram os pardais, ao fim do dia, para conversar sobre as migalhas do caminho, o farelo cinza dos fios elétricos.

 

Caderno Azul, 2021.p.44

...

 


 



 


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Um pouco antes das 09h, corri ao sacolão. E lá, exatamente no caixa, uma garota roubou a cena.

 

A pedido da mãe, ela pegou o pacote da promoção, completando as compras. Voltou para a fila, retirou o cartão de uma pequena bolsa, informou que o pagamento seria no débito.

  

A mãe, toda orgulhosa da atitude da pequena, acompanhava todo o processo. Os clientes pararam para assistir à desenvoltura daquela garotinha nos seus 07 anos.

 

– Meus parabéns! Você é muito esperta!

 

– Muita obrigada! Eu que cuido das finanças da minha mãe.

 

Todos os clientes riram e elas saíram carregando as sacolas.

 

Eu ainda nem tinha feito o pagamento da minha pequena compra, quando ouvi:

 

– Moço! Moço! Eu te conheço!

 

Nesse tempo com máscaras, vira e mexe a gente acaba não reconhecendo alguns moradores da quebrada. Acontece.

 

– Você é o moço dos livros! Eu estudei teatro com sua mulher.

 

De fato, eu não me recordava. Parece que a pandemia já dura uma década. A gente se perde ou perdeu. Não é mesmo?  

 

Assim que se reapresentou, ativei todas as suas atuações no palco e nos bastidores da Cena. Por alguns segundos, um enredo se desenrolou nas páginas da minha memória.

 

A menina contou que mudou de casa, está morando em um apartamento agora. Ao final, passou o novo número do telefone da mãe, que aguardava no outro lado do passeio.

 

– Quando começar o teatro você pede a professora para ligar para minha mãe?

 

– Claro!

 

– Promete mesmo, moço?

 

Aquela antiga aluna mudou o ritmo do meu dia. Aquela menina, provavelmente não sabe, mas no início daquela manhã trouxe um feixe de luz para toda família. Ela foi o assunto do dia, tema especial para essa crônica com tinta de recomeço.   

 ...

 


Página 16

Para encarar o próximo mar, resolvi escrever um pouco sobre o que me atrai ou talvez mais sobre aquilo que me distrai.


Descobri recentemente que há elos inesquecíveis do meu outro eu no corpo presente.   


E por que dessa insistência em juntar os elos desconhecidos da minha pessoa? Essas partes querem se conhecer e a única forma de urdir as lacunas, colar as pelas é escrevendo.


A vida tem ateado tanto caos. Pensar tem sido pretexto para não existir.

 

Página 25

Queria que a decadência fosse um quadro gigantesco. Um quadro pintado por todos os sobreviventes deste tempo.


Quem sabe assim, pintando as fraquezas, dúvidas, dívidas e derrotas, a gente não se sentiria mais HUMANO?  

Página 34

Exposição da cicatriz, da falta, é o que defendo no momento. Eu cansei da vida cheia de filtros, contornos, impulsionada pelo gesto mecânico, vazio, da pressa dos ângulos editáveis do mercado.  


Por que no meio de tantas mentiras ser sensato virou motivo para descrédito, repulsa e cancelamento?


Qualquer linha mais substantiva da arte provoca reações catastróficas: “Isso vai causar mimi!” Nossa! Esse tema está pesado demais! Aí você foi brabo”, entre outras expressões passageiras da superfície.

Em que mundo sobrevive esse povo? Quer dizer que a arte só pode ser leve? Eis o templo das gourmetização, do romantismo que só agrada a maioria. E nesse rolo de desinformações, de valores esquizofrênicos o que gera status, escala negócios é o pacote das ilusões:  vida fácil, dinheiro fácil, fama a qualquer custo.


Só o resultado importa?

Página 52

Posso estar enganado, mas sinto que este tempo implora por um pouco mais de expressões sinceras, por manifestos pela união de todas as classes, credos; carece de protestos pelo direito à vida digna... de todos!


Ou posso apenas estar muito enganado mais uma vez. Você também está se sentindo assim... na contramão dos extremos?

 

Série de textos: Caderno Azul


... farelos por aí ...

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