O primeiro aplicativo
baixado no celular, o primeiro tênis de corrida. A marca? Um Mizuno bem básico.
E que tal conhecer a minha primeira pista oficial de treino?
Rua Cidade de Minas, entre
os bairros Pedra Azul e Carajás, em Contagem, Minas Gerais: uma pista quase
plana, com 1.300 metros, que atrai interessados em cultivar novos hábitos.
Correr, andar, sozinho ou acompanhado. Para se ter uma ideia, às 4h da manhã já
tem gente treinando por lá. Em outros capítulos, você saberá um pouco mais
sobre esse povo que sai para caminhar ou correr a essa hora.
Consciente da distância da
pista e do meu ritmo, era hora de investir nas próximas conquistas, começando
pela primeira volta completa. Sem nenhuma orientação, fui aumentando o percurso
aos poucos. A cada semana, ia ampliando a distância entre um poste e outro.
Nem vou tentar explicar os
efeitos daquela sensação de progresso; deixo isso para um professor de Educação
Física. O fato é que comecei a gostar daquilo, mesmo com as dores e a falta de
fôlego.
Na academia, os colegas de
treino começaram a perceber a diferença nas minhas medidas. A balança também
reconheceu algumas perdas. Sabendo da minha postura, senti que poderia fazer
mais em direção ao Desafio.
Levei aproximadamente três
meses me preparando para a inscrição na minha primeira prova, treinando duas
vezes por semana. A certeza de pagar a inscrição no Circuito das Estações só
veio depois da minha maior conquista: correr o primeiro quilômetro. Como isso
aconteceu?
Na manhã de um sábado de
quase primavera, pulei da cama mais cedo e subi para a pista. Ajustei o
aplicativo e... pá! O primeiro quilômetro dentro do tempo razoável, embora eu
soubesse que poderia ter sido mais rápido. Com 2,6 km, completei a primeira volta
sem parar e, de repente, me deparei com o km 3, com a leve inclinação e o ritmo
encaixado.
Na outra ponta da pista,
cruzei o quarto km e pensei: “Vamos lá, você consegue, hoje vai mais longe.” E,
naquela conversa firme com as pernas, joelhos... não, eu não vou parar, estou
quase lá, falta muito pouco. Que isso, você já correu 4,5 km? Nem quis pensar
nos 500 metros para completar a distância da futura prova. Fiquei tão empolgado
que incluí os 200 metros da pista na conta e acelerei. Consegui completar as
duas primeiras voltas na Cidade de Minas: 5,2 km.
Para comemorar o feito,
sentei-me no primeiro meio-fio que encontrei. Tirei a camisa; estava um bagaço,
exausto. Parecia que tinha corrido de um fantasma, como nos pesadelos da
infância. Olhei para o celular e para o céu. A distância, o tempo e o infinito
de mais um passo. O Circuito das Estações que me aguardasse.
Dar-se um nome, que seja na forma de um apelido, é o que o menino de camisa de listras se deu, na narrativa que se inicia e se conclui com a palavra “Silêncio”, no que é “Um Estranho para o Céu”, de 2016, o seu prenúncio de uma vida andante, a vida do Dito, nosso personagem magnífico, dócil e encantador.
A boa-vontade do garoto desponta em suas primeiras ações, atos das mãos, dos pensamentos que elabora, das palavras que pronuncia, dos gestos que empreende. Dito mora com quem o recebeu, desmedidamente, acolhendo-o com afeto e carinho, aos quais ele retribui em similar medida. Piedade e Miguel proporcionam a Dito um lar, e ele irá fazer resplandecer sobre o povoado o fogo que trouxe do céu, o reavivamento da esperança e da solidariedade.
Neste texto, insere-se o personagem Bartô, que “deita a vida em livros”, um eu-outro do escritor Alfredo Lima, reflexo e espelho, homenagem e reconhecimento das influências estimuladoras de um fazer poético.
“Nublado”, de 2024, se inicia com uma palavra nebulosa “Nuvem”, título que nos reporta ao estado de cobrir-se de nuvens, mas a narrativa é finalizada com a palavra “Céu”, termos que levam à reflexão de que os substantivos configuram estados de alma, camadas viscerais que se transmutam e se transformam, embora ambos sejam espaços integrantes do éter, solúveis, gasosos, finos ao tato, delicados, pois são estágios e sensações do sentimento.
Dito cresceu, é um adolescente. Sensível, bem-conversado, tenaz, perspicaz, atuante, ousado, integrador, a desenvolver, cada vez mais, as capacidades em semente, presentes nos episódios de sua infância.
A tônica da solidão, do coração que dói perante o abandono, das casas que se esvaziam, dos entes que se distanciam são os elementos que as nuvens carregam no peito do sr. Rafael, nome de arcanjo, sentindo as faltas, mas resgatado pelo próprio nome que significa a cura de Deus. E essa cura vem via Dito, (uma espécie de Santo Expedito, invocado diante dos problemas urgentes, protetor da família?).
Estamos lidando com uma escrita que mescla terra e valores espirituais muito elevados, derivados da virtude, da filosofia, dos diálogos, dos olhares, das percepções. E tudo oferece um grande perigo aos que delegam ao destino as agruras e as soluções em si-mesmas.
Porque há em “Nublado” intercessões pelo veio da bondade. O mal não é qualificado ou recebe lugar na mesa da narrativa, sobre ele estando a toalha deveras esticada. Não se dá lugar ao mal, ele é simplesmente expulso, afastado, e o bem assume o protagonismo de toda e qualquer situação.
Para as perturbações do mundo em que vivemos, texto de Alfredo Lima é uma afronta ao poder mais mesquinho, bélico, vampiresco, grotesco, imperialista, fascista, porque ele põe abaixo dos pés toda tentativa de golpe. A bondade viceja abundante, sorridente, pacificadora, restauradora, “gostosa e demorada como um abraço”, sem que haja fresta para a infiltração do ódio e da malevolência.
É de misericórdia e de paz que a narrativa ergue a potência do texto, por isso atingimos o “Céu”, quando o enredo nos conduz a ele, lapidando-nos pela ternura, pelo desnudar dos nossos padrões mesquinhos, pelo desvestir das nossas imoralidades, pelo romper das nossas tradições atravancadas, ultrapassadas, nutridas pela falta de um refletir mais coerente.
E vendo-nos nuvens no vazio, ansiamos o alimento às nossas carências e faltas, o que de graça nos é ofertado, pela faculdade de compreendermos ser o amor que vivifica e agrega o homem, que o faz homem, que o preserva na condição humana, pela colaboração, pelo desprendimento, pela vocação de constituirmos a humanidade, independentemente de qualquer argumento que possa diminuir qualquer ser entre nós.
Se era objetivo do autor nos ciceronear pelo caminho da luz, o vale das trevas não seduziu ou nos fez desmoronar nos desfiladeiros agonizantes; atingimos o Céu, com passos mesmo, numa solidária direção, nem nos foram necessárias asas.
Anderson de Oliveira é escritor. Participou de inúmeras coletâneas, publicou Pá & Pedra, finalista do Concurso Nacional João de Barro, em 2000; Dona Feia narrativa selecionada para o PNBE 2011; A lenda dos dinossauros foi escolhida para o Catálogo de Bolonha, no ano de 2014; A, B… Z Bicho é um “bichonário” de musicalidade; A neta de Anita, cuja temática é o processo de reconhecimento racial e identitário, destacou-se entre os 13 livros mais marcantes da literatura infantil pela Casa Vogue/2019. Um dos seus mais recentes títulos é Mona Lua e o Monstro Cinzento, publicado pela editora Alumbre.
– Quer dizer que agora você está correndo?
– Não é bem assim. Estou bem no começo.
– De vez em quando te vejo treinando lá perto de casa. Parabéns!
Dessa conversa com o motoboy de um restaurante
local, aprendi a lidar com duas situações que ajudaram nos meus primeiros
passos.
Renato treinava, naquela época, uma média de 4
vezes por semana. Com isso, demonstrava certa experiência. Em outras conversas,
confirmou a participação em algumas provas, mostrando o quadro de medalhas no
celular.
À medida que fazia entregas em nossa casa, ele
fazia questão de tocar no assunto: “E aí, tá firme nos treinos?” Usava palavras
do mundo da corrida que só fui aprender e experimentar mais tarde.
Voltando à situação inicial, que está
diretamente ligada a esses termos, um dia ele perguntou qual era o meu “pace”,
já que eu pretendia correr uma prova de 5 km ainda naquele ano.
– O que é isso? Como a gente encontra esse
trem? – foi minha mais sincera resposta.
O rapaz não conseguiu segurar o riso. Com a
maior paciência, explicou que se tratava do ritmo médio de um corredor em uma
determinada distância e que isso era medido em minutos por quilômetro.
A essa altura, ele me mostrou o aplicativo de
corrida que usava. Pediu licença para instalá-lo no meu celular e, com boa
vontade, explicou como eu deveria utilizar a ferramenta.
Antes de finalizar a entrega, surgiu a outra
situação embaraçosa:
– Bem rápido, tem como mostrar o tênis com que
você está correndo?
Assim que mostrei o par de sapatênis, já bem
detonado, ele sorriu novamente e passou outras dicas breves:
– Moço, com isso não dá pra treinar. Você vai
acabar se machucando. Faça o seguinte: primeiro, vai a uma loja e pede para
experimentar tênis para corrida, entendeu? Sabendo o modelo e a numeração,
depois você compra pela internet e aproveita umas promoções, entendeu?
Sim, entendi uma parte daquelas orientações: eu
precisava de um outro pisante.
Lição: Utilizar um aplicativo gratuito de corrida e
providenciar um tênis confortável, específico para corrida, vão ajudar bastante
nessa modalidade esportiva.
Por um mínimo de
resistência física, era hora de voltar à academia, mesmo que de maneira
esporádica durante a semana. Não sei avaliar se foi a alternativa mais adequada
para o contexto, mas entendia que precisava perder peso para começar a correr.
Minha ficha
sempre incluía atividades na esteira: caminhada ou corrida leve. Recordo-me de
que aqueles 10, 20 e 30 minutos eram difíceis, tanto pela exigência de um corpo
sedentário quanto pela monotonia. A vontade de desistir era grande, mas o
Desafio nem havia começado.
Após algumas
semanas, em uma tarde de domingo melancólica, criei coragem, nem sei de onde,
calcei um sapatênis e fui caminhar na Cidade de Minas, a principal rua da nossa
quebrada. Guarde esse nome, porque, vez ou outra, vou mencioná-lo por aqui.
Não sei como,
mas consegui dar duas voltas naquele dia, sem parar nenhum momento. A caminhada
durou uns 50 minutos e senti pela primeira vez o tal cansaço de uma atividade
física.
Quando contei
para o treinador da academia, ele vibrou com a iniciativa e disse que eu
deveria fazer isso mais vezes durante a semana, e que, em breve, já conseguiria
até correr. Levei um tempo para acreditar naquele incentivo. "Ah, deve ser
mais um papo de professor de Educação Física".
Eu estava
enganado. No mês seguinte, já conseguia repetir a ficha da esteira na rua.
Corria 3 minutos e caminhava 1, e fui ampliando as variações. Claro que o tempo
de corrida parecia uma eternidade, mas fui “destravando” e começando a perceber
alguns sinais de progresso.
Quanto tempo
gastei para alcançar a primeira conquista? Não faço a menor ideia, mas correr o
primeiro quilômetro na Cidade de Minas foi um dos dias mais felizes da vida
daquele sedentário.
Lição: O
dia em que você conseguir correr seu primeiro quilômetro, comemore. Foi o que
fiz e, de lá para cá, aprendi a comemorar todas as conquistas. Correr aqueles
1000 metros representou um sinal de esperança.
A data exata eu não sei informar, mas acredito que tenha sido no final do primeiro semestre de 2018. Em uma das rotas de casa para o trabalho, tenho o privilégio de passar pela região da Pampulha. Adianto que foi lá onde tudo começou.
Aconteceu em uma daquelas manhãs, depois de ver tantas pessoas caminhando ou correndo. Recordo-me de ter soltado a seguinte frase:
– Um dia, vou participar da Volta Internacional da Pampulha.
Na hora, a garotinha se ajeitou na cadeira, parecia um pouco desconfiada, mas logo retrucou:
– Correndo, pai? Coitado!
Ela nem esperou uma explicação. Não tive tempo nem de abrir a boca direito.
– Eu duvido. Você não dá conta de brincar com a gente direito.
A verdade. Ela só falava a verdade, mas aproveitou para rir à vontade. Pensou que eu estava de brincadeira, que seria mais uma daquelas falsas promessas. Mas, como fiquei sério, ela mudou o tom da conversa:
– Já que é assim, te desafio a correr a volta, então!
– Desafio aceito!
Claro que, naquele momento, eu não tinha a mínima ideia da aventura que tinha pela frente. Como aceitar o desafio de correr 17,8 km sem nunca ter trotado 1 km inteiro? Guardei aquilo só para a família, porque, se dissesse para outras pessoas, com certeza iriam me chamar de louco.
Maluco ou sem noção, não tinha como desistir. Eu havia prometido à minha filha. E tinha certeza de que, se não cumprisse, ela sempre iria tocar na derrota.
Com
aquele quadro de sedentarismo e a balança em pé de guerra com minhas medidas,
você já deve imaginar para onde tive que voltar para dar os primeiros passos
rumo ao desafio.
Um jeito na vida assim de uma hora para outra?
Quando o assunto é atividade física, no meu caso, nada aconteceu tão rapidamente. Enfrentei alguns tropeços, especialmente na época em que o médico recomendou a musculação.
Baixa imunidade, resistência frágil, alimentação irregular e o retrato do sedentarismo foram sinais que me indicaram a necessidade de procurar uma academia perto de casa. Nem preciso dizer o quanto admirava o ambiente da academia.
Era fevereiro. Uma academia recém-inaugurada, com todas aquelas promessas encantadoras. A conversinha mansa dos proprietários e lá fui eu, comprar um pacote anual, mais em conta. O desconto era interessante. Os benefícios, infinitos.
Surfei um pouco na onda do verão, vésperas de carnaval, e a academia estava lotada. Com certo esforço, ia três vezes por semana. O resultado começou a aparecer, mas, lá por abril, peguei dengue. Com os sintomas, claro, sem chance de fazer qualquer atividade física. Uma semana de molho.
Outra semana sem frequentar a academia. Depois, ia, no máximo, duas vezes por semana. Minha carga horária de trabalho aumentou e ficou fácil inventar desculpas para abandonar a musculação. Não é o final da história ainda, mas a moral você já conhece: tornei-me um patrocinador daquela empresa.
Do efeito sanfona ao retorno ao perfil de sedentário foi um pulo. Desde então, nunca mais paguei por um pacote promocional. O pessoal até fica irritado comigo, mas peguei ranço desses “descontos”.
Antes de voltar a caminhar, reforço que continuo não gostando da academia. Só vou por necessidade e para continuar firme no propósito, evitando complicações que vou tratar ao longo da nossa jornada.
Vídeo de estreia, recomeço, mencionado lá no post "Na ponta da caneta"