Colecionador de pedras

 


Queria ter vivido melhor,

porém a mediocridade sempre me foi farta

e generosa nos caminhos que escolhi para viver.

Queria ter sido mais alegre,

porém a tristeza sempre foi companheira fiel

nos dias intermináveis de abandono.

Queria ter amado mais as pessoas que conheci

ou que fingi conhecer,

porém, na maioria das vezes,

eu também não me conhecia.

Queria ter andado mais livre,

porém, algemado à ignorância, perdi muito

tempo tentando voar sem sequer saber andar.

Queria ter lido mais livros,

porém, analfabeto de ousadia, passei

muitos anos enxergando pelos olhos

adormecidos de outras pessoas.

Também queria ter escritos mais poemas

do que bilhetes pedindo desculpas,

porém as palavras sempre me vieram

como culpa e quase nunca como estrelas.

Queria ter roubado mais beijos e abraços

protegidas pela magia da infância,

porém cresci muito cedo e a timidez sempre

me foi uma lei muito severa a ser cumprida.

Queria ter pensado menos no futuro,

porém o passado simples

nunca foi o melhor presente

e a eternidade sempre me pareceu coisa de gente

que tem preguiça de viver.

Queria ter sido um homem mais humilde,

porém a vaidade e a ganância sempre

me cercaram de mimos e coisas que até hoje

Queria ter pregado mais a paz,

porém, como um covarde, gastei muita munição

tentando atingir amigos e desconhecidos

que não usavam coletes à prova de balas

nem blindados no coração.

Queria ter sido mais forte,

porém rir dos vencidos e bajular os mais ricos

sempre me pareceu o caminho mais curto

para o esconderijo secreto das minhas fraquezas.

Queria ter dito mais a verdade,

porém a mentira sempre foi moeda de troca

para comprar o respeito e a admiração

das pessoas fúteis de almas vazias.

Queria que o mundo fosse mais justo,

porém, avarento de nascença, fui o primeiro

a esconder o sol na palma da mão,

antes que o vizinho o fizesse,

e mesquinho por vocação

escondi as noites com lua

para que os poetas não a cortejassem.

Queria ter dito mais besteiras,

porém fui desses idiotas amantes

das proparoxítonas e sujeito oculto

nos bate­-papos de botecos de esquinas,

onde a vida não acontece por decreto.

Queria ter colhido mais flores,

porém o medo de espinhos

afugentou a primavera e,

outono que sempre fui,

plantei inverno quando a terra pedia verão.

Hoje, queria ter acordado mais cedo,

porém temo que, pra mim,

seja tarde demais.

 

Título: Porém

Fonte: O poema está no livro “Colecionador de pedras”, de Sérgio Vaz.

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