cargo de confiança

Queria muito poder contar pro meu garoto a versão que as mães recontam por aí:  

“Seu pai saiu para comprar cigarro e nunca mais voltou”.

Não posso. Não consigo. Ele estava aqui até outro dia.

De vez em quando, fazíamos a feira da semana. A gente passeava na pracinha do bairro.

De vez em quando.

Ele nunca deixou de comparecer as suas festas e aniversário. Cê está me ouvindo? Nunca poupou na hora de comprar seus presentes. Muitos sapatos, só roupa da moda (tudo muito caro).

Seu pai sempre trabalhou muito. Um exemplo para seus tios.

Ele trabalha muito! Trabalha tanto que de vez em quando esquecia a data do nosso casamento, do meu aniversário. Sei que o dia das mães era ocê quem o lembrava via escola.

Seu pai nunca foi com a gente ao shopping. De todos os anos, só passou um Natal aqui.
“O cargo de confiança na empresa me priva de muita coisa, amor”.

Após ouvir essa frase centenas de vezes, deixei de me envolver com os assuntos da empresa onde ele trabalha, trabalha muito. Por outro lado, nas festinhas, já ia com o discurso prontinho: “O Jefferson está viajando a trabalho”.

Sempre a trabalho, meu filho! Sempre. Só que não desejo isso para sua vida, nem para a vida de nenhuma mãe, esposa.

“Meu pai casou com o trabalho? ”

“Antes fosse, menino, antes fosse. Já estamos partindo. Cê me ajuda com as malas? ”

“Tá de madrugada ainda, a hora, mãe. O que vamos fazer? ”

“Tem um hotel não muito longe daqui”

“?”

“Lá vou tentar esquecer meu marido, enterrar os últimos anos e rir do tanto que ele trabalhou para sustentar as duas famílias ...”

Nessa hora, depois de tanta conversa, o moleque despertou de vez e se desesperou com as lágrimas da mãe insone.

“Ele continua sendo seu pai”.

“?”

“O Uber tá chegando. Vamos? ”  

... farelos por aí ...


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