Dan, menino de ouro


Dan sempre foi um jovem da paz, um dos camaradas mais respeitados da nossa quebrada. Menino prestativo, “brother responsa”. É do tipo mano cerol: “quando é para somar forças, o cara cola com a gente nas paradas”, afirmam seus colegas.

Por se envolver com muito goró, o pai de Dan recebeu uma passagem definitiva de São Pedro logo cedo. Com isso, Dan e Suellen, sua irmã caçula, nunca tocaram em copos com álcool. Eles cuidam dos amigos que dão pt (perda total) nos bailinhos do fim de semana. 

— Dan, nunca te vi bravo – comentou certa vez minha companheira.      

— Só fiquei uma vez. E se o Farelo souber como tudo rolou, ah, vai me colocar na crônica da semana.

— Pode ficar à vontade, mano. A crônica é sua!

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Estava tranquilo, de boa na minha casa. O telefone tocou e era minha mãe chorando. 

— Já liguei pra polícia, o cafajeste já me deu dois socos nas costas, tá doendo demais, parece que o ordinário tá com o demônio. Como moro pertinho de sua casa, me socorre, filho, pelo amor de Deus!

— O Moisés tá alterado?

Pedi que ela num esquentasse não, era pra ficar trancada no quarto, que logo, logo eu ia tirar os demônios do corpo do senhor Moisés, o emplasto que minha rainha colocou dentro de casa e com ele teve mais um fiote. Aonde ela tava com a cabeça arrumar um traste daqueles? Mais cedo ou mais tarde aquele filho da puta ia agredir minha rainha. Dito e feito. O sangue foi todo pra cara, passei a mão num facão enorme e já fui espalhando meu ódio pro lote inteiro ouvir. Os moradores dos outros barracões colocaram a cabeça pra fora. Ê povo que gosta de ver as cores do inferno alheio, viu?

– Cê num é muito homi, Moisés?

– Não, Dan. Não foi nada. Foi só uma discussão entre...

– Abre esse portão que cê vai conhecê homi de verdade, seu vagabundo.

Minha rainha tava chorando no quarto, dava pra ouvir. Moisés com a fala mansa  tentando colocar pano quente na violência. Nisso, gente, o carro da polícia piou no final da rua. Joguei o facão pro lado pra não dá bandeira e fui atiçando pra perto do portão o valentão.

Do nada, gente, Moisés abre o portão assoviando, todo engomadinho, de terno e gravata, como se nada tivesse acontecido. Sai o Moisés com a Bíblia debaixo do braço direito, dizendo que ia ao culto, era dia de adorar ao Senhor.

— É aqui que mora o senhor Moisés Soares?

— Sim. É esse moço bem vestido, aqui, seu policial. Pode levar. Bem que ele podia ficar na cadeia por uns bons tempos.

O senhor Moisés não sabe até hoje que a polícia foi quem o salvou naquele meu dia de ódio. Mas se encostar um dedo na minha rainha, gente do céu, num vai tê conversa. Vou liquidar de vez ...

Dan pediu um copo d’água, depois de relembrar esse seu dia de fúria. Mais calmo, ouviu da minha companheira:

— O mundo precisa de mais Dans!      

... farelos por aí ... 

Crédito da imagem: https://veja.abril.com.br/entretenimento/periferia-invade-as-telas-com-na-quebrada/

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