18h51

Ao final da tarde, tomei a decisão de me desconectar das redes sociais entre os dias 10 e 18 de outubro.

A prova está no meu Instagram: @farelodequiat

Ao saber dessa minha atitude, minha filha de 10 anos respirou aliviada e disparou para a irmã caçula.  

– Graças a Deus vamos ter nosso pai de volta. Pelo menos uma semana ficaremos sem aquele robô, Cla!

Isso dói. Dói muito, meu parceiro. Só quem é professor da rede particular no contexto da pandemia do novo Coronavírus compreende o que estamos passando. 

(Sem comentários)

Nessas horas, dou graças a Deus por também ser escritor e poder conversar com meus ilustres leitores, como ocorreu no final dessa manhã.

Hoje fui muito bem acolhido pelos leitores do 6º Ano, alunos do Colégio Espanhol Santa Maria, de BH. Foi mágico, distinto e encantador.

Só para você sentir o gostinho do quanto foi especial, uma aluna me recebeu cantando e tocando “Aquarela”, de Toquinho e Vinícius de Moraes.


Além das perguntas inteligentes e comoventes sobre meu penúltimo livro, “Um estranho para o céu”, recebi quase no final do bate-papo uma parte da Nona Sinfonia de Beethoven. 

Inacreditável! Um garoto aí na casa dos seus 11 anos tocou essa peça no violão. Mágico!

Agora, à noite, vou fazer minha caminhada; pois não foi possível pela manhã. Dormi mais do que a cama. Resultado do 1º dia de exercício (ontem).

Eh, Diário, para quem não dormia... eu até sonhei, meu parceiro.

 

... farelos por aí ...

 

 


 05h35

Momento da minha primeira caminhada de 5 km, após um longo período, longe das pistas.  

Ao longo dos prováveis 40 minutos, redescobri três das minhas paixões: Ler / Escrever / Correr.

Minha esposa está coberta de razão, ao afirmar: “Você tem que que voltar a correr”.  

Ela anda preocupada comigo, pois há o excesso de tecido adiposo, há o stress das infinitas demandas da Educação, ainda reina a grande pausa nos projetos de incentivo à leitura e palestras presenciais.  

Ela é quem me chamou de novo à vida. É sempre assim! Quando percebe que estou muito inquieto, dá o toque: “Está na hora de você começar a escrever o próximo livro”.  

Sabe, Diário, você já me salvou algumas vezes nesses 07 anos. Que não seja diferente dessa vez, ok?!

Se por um acaso, pintar algum outro leitor por aqui, ele vai conhecer alguns perrengues da minha vida profissional, parte dos meus encantos e desencantos.  

MAS que fique claro: escrevo para mim mesmo.

... farelos por aí ...

 

 

 




Há sessenta dias não escrevo uma linha.

Hoje por impulso, pelos ventos de um adágio do Ferreira Gullar, fui atirado, jogado na rua. Você está se perguntando: “Como assim?”

Só foi assistir aos vídeos no meio da manhã, entre prova para elaborar, casa para arrumar e outras mil e uma tarefas...

Bem, eu não sei explicar o porquê, o que rolou, nem quero.  

Verdade: eu senti uma vontade enorme de registrar uns GRITOS.  

Em silêncio, desci a escada do barracão, corri em direção ao portão. Pá! Eu estava na RUA!  E só foi um grito.

Não tinha ninguém para ouvir. Ai! E como aquilo me fez bem. Tive a impressão de sair de um banho lento e gostoso, daqueles que lavam a alma, sabe?  

De vez em quando um ou outro carro passava e eu ia atravessando as frases do poeta.

Que realidade estou inventando? Por que um verso é capaz de provocar tudo isso em plena manhã?

 Insight? Impulso? Arte. Pulso.

Peço licença, mas agora vou ali comprar um apontador e mais lápis. Tenho que transcrever a página deste dia que nos escreve.

Por que?

“Eu escrevo porque tenho o prazer de manifestar uma coisa que eu descobri”



... farelos por aí ...


Desculpe-me, leitor(a), mas a confissão que vou fazer não será do seu agrado, talvez.

Se por um acaso, você torcer o nariz, eu vou compreender. Você joga no time da maioria.

Confissão: eu gosto da segunda-feira!

Eu não sou louco. Depois de conviver com alguns japoneses, passei a curtir a segunda.

De acordo com alguns alunos, disparo um “bom dia” diferenciado, cheio de energia.  Não sei explicar.  

Sei que a última segunda-feira, por exemplo, entrou para minha História da Gratidão (mais à frente vou explicar melhor essa tal HG).

Nos primeiros minutos das sete, uma aluna me procurou na sala dos professores:

— Comprei um presente para você, Farelo!

Nossa! Poderia ser uma dúvida, crítica, reclamação, um comentário sobre a Disgreta Voadora (vulgo Enem).

— É diferente de tudo que li.

Nessas horas fico sem graça. Sem jeito, compreende? Meio bicho do mato. Será que merecia um presente tão distinto assim?

— Gostei tanto que fui à livraria e comprei um exemplar para cada pessoa especial do meu convívio. Espero que você goste também.

Bateu o primeiro sinal.

Recebi o livro da jovem. Primeiro, senti seu cheiro. Em seguida, encantei-me com sua lombada, cheio de brilho, dourada. Percorri os relevos da fonte, na capa.

Bateu o segundo sinal.

Tive tempo de ler os textos da quarta capa. Eram escritores e críticos apresentando a obra do escritor português que eu nunca havia lido.

Bateu o terceiro e último sinal.

A aula já ia começar. Abracei a aluna, em sinal de gratidão. Despedimos-nos. 

A vontade era não ministrar aula nenhuma naquela manhã. Não fazer chamada. Não passar exercícios. O desejo era sentar debaixo de uma árvore, desligar-se do tempo para poder ler o livro inteirinho.

Só no meio da tarde foi possível me perder naquelas páginas em branco, com desenhos em azul e metal, feitos pelo próprio autor. Ah, o nome dele: Valter Hugo Mãe. O título do livro? “O paraíso são os outros”.

Na manhã de terça, saí mostrando livro para todos os amigos. Na quarta, não consegui guardar as alegrias desse encantamento. Quando percebi estava na frente do computador, redigindo esta crônica.

Eis um capítulo da minha HG. Se você tivesse que escrever um livro sobre sua História de Gratidão, com qual dádiva você começaria?   

... farelos por aí ... 

  
           


Pausa Literária com o Professor Farelo l #01 l Colégio Loyola

 

 

Casei-me por engano, por insistência de um vendedor de livros. Ou ele me conquistou com as primeiras palavras?

Já nem lembro muito daquela tarde, depois de tantos anos também, não é mesmo?

Ele ligou uma vez, outra, outra e na última, não aguentei e rabujei:

“O senhor já ligou pra cá um montão de vezes. Cansa não?”

O homem mudou o tom de voz, derretendo-se em desculpas e acabou raptando toda minha atenção para seu trabalho, paixão pelos livros que vendia, divulgava. Amor pela vida e o arco-íris tem mais que sete cores e ... não resisti.

“Não precisa desligar agora, continue”.

Conversamos por mais umas duas horas no antigo e caro telefone fixo.

Ao final, fui certeira que nem flecha:

“O senhor é casado?”

Ele me deixou vermelha com um delicioso “não”.

“Então, pode ligar a hora que sentir vontade”.

Estamos ligados há quase quarenta anos”.

 

... farelos por aí ...

          Crédito da imagem: Adriana Galindo 


Ao receber O livro do acaso, um silêncio contemplativo tomou conta do meu mundo, tingindo-o de rosa intacto das páginas de madeirite.

Depois desse primeiro contato, nasceu uma enorme vontade de ler/reler e comentar cada cena, cada imagem com as pessoas do meu convívio. A essa altura já tinha acontecido: eu estava deslumbrado com o projeto. E agora compartilho, neste pequeno ensaio, algumas poucas impressões sobre o livro que recebi de presente. 

A começar pela leitura da capa do livro, dois aspectos atiçam a nossa curiosidade: a presença do madeirite e a árvore — os emaranhados de galhos com o nome de escritores de diferentes épocas. Abrindo a obra e, analisando capa e quarta capa, percebe-se o movimento do misterioso personagem que nos encanta do início ao fim da leitura.

I. O MAESTRO
O livro do acaso é, antes de tudo, um exercício de sensibilidade e descoberta. A primeira, por parte do maestro Nelson Cruz; pois é indiscutível a harmonia musical que a obra demonstra em sua criação, a combinação das frases com a trajetória do personagem é rítmica, sonora, exala música em nossos olhos.

Descoberta para o leitor que, a cada página, percorrerá contextos culturais distintos da literatura (Padre Antônio Vieira e João do Rio, por exemplo), palmilhando o mundo rosa do madeirite: material que permitiu ao artista o arranjo artístico-literário da obra.

Para compor O livro do acaso, Nelson Cruz cruzou frases de 11 escritores da literatura de língua portuguesa, trazendo aos seus leitores nomes pouco conhecidos/estudados, como Auta de Souza, Beatriz Francisca de Assis Brandão e Arthur Azevedo. Ao resgatar tais escritores, o nosso maestro revela a ária da pesquisa, o canto que traz um encanto do leitor que sempre foi e do artista especial que é.

II. PICTÓRICO E DELIRANTE
Nelson Cruz confessa que “nesses anos de trabalho com artes plásticas e ilustração adotou o hábito de colecionar objetos de naturezas diversas, porém que contivessem plasticidade em seu aspecto.” E foi assim que ele viu no madeirite a possibilidade de compor o seu livro do acaso, ali bem no improviso distinto do rosa.


A tessitura desse trabalho dialoga com uma das imagens presentes no empório de Manoel de Barros, que trato aqui como empório das inutilidades, pois o nosso maestro se tornou poderoso por descobrir na insignificância da madeira o deleite para os seus leitores: imagens verbais e não verbais que “relaxam a mente, divertem”. Eis uma história que nos conduz para a cidade distante onde as “ruas têm alma” e o seu principal habitante as percorre poeticamente.
Cena do filme Cantando na chuva
Nesse percurso destaco outros dois diálogos: um com o cinema, outro com a pintura. O protagonista (na p.21) relaciona-se com a famosa cena do longa Cantando na chuva . E na p.25, num momento decisivo da narrativa de Nelson Cruz (que não posso contar aqui, pois você descobrirá ao entrar em contato com o livro) o personagem diante do lago, no espelho d`água  lembra uma das célebres pinturas de Caravaggio, Narciso        
Narciso, pintura de Caravaggio
Ao empreender esse importante projeto artístico, o nosso maestro atuou também no empório de Fernando Pessoa, em especial, nos rios do heterônimo Alberto Caeiro. Por colher frases diversas, organizá-las e ilustrá-las, esse trabalho configura-se como uma espécie de ação daquele “guardador de rebanhos”, um colecionador de cores na superfície infinita dos pensamentos. Assim, será sempre oportuno  dizer que  O livro do acaso é  um caso de poesia. 

O relógio entrou de férias na minha frente. 
No ano passado, seu vidro beijou o chão e trincou. 
Na semana passada ele simplesmente parou. Talvez esteja cansado de tudo, entediado com todos, não queria mais registrar os meus restos de tempo, nem minhas migalhas de credo. 
Tic-tac — Tic-tac. 
Pare de ler essas minhas palavras em silêncio. 
Pare de olhar para essas linhas, pensando que é alguém que lhe escreve. 
Não estou nem aí pro que você vai pensar depois de terminar de ler minhas impressões, eu saí do retângulo, das batidas mecânicas dos ponteiros, misturei-me aos números, nas horas, a hora de parar com a leitura pode ser agora, mas você que me lê até aqui vai pensar que estou maluca, esquizofrênica, essas palavras de polêmica são para que você dê um solavanco no banco de praça que não senta, na graça que não se apresenta. 
Sessenta segundos e vá às favas seu contentamento que cimenta meus sentimentos.
Não era para terminar assim, não era pra você chegar até aqui, não era a era de uma vez, de um relógio com as partes sem partes...a arte do descarte, vou vazar. 
Tic-tac.  

Imagem disponível em:  http://joaolima.info/site/wp-content/uploads/2013/09/226.jpg 
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