Dia 12 de outubro de um ano qualquer, num lugar qualquer, José acordou às 13h, diferentemente de outras crianças que pretendiam comemorar seu dia com presentes cujos olhos dos pequenos refletiam em suas lagrimas de felicidade.
Mas não para José.
José acordou tarde, desesperançoso, sem saber que dia era, quando foi surpreendido por um presente: um potinho com água e detergente que sua mãe havia preparado para ele mais cedo, que então pegou e foi ao quintal de sua casa onde começou a soltar pequenas bolhas, quase imperceptíveis.
Aos poucos, foi soltando maiores, e maiores, até que soltou uma tão grande que viu seu reflexo e, consequentemente, sua grandeza em meio ao que ele vivia.

(Ana Machado, aluna do 9º Ano, Colégio Santa Maria Minas Floresta)
Fotografia:  Adrian MacDonald

Queria muito poder contar pro meu garoto a versão que as mães recontam por aí:  

“Seu pai saiu para comprar cigarro e nunca mais voltou”.

Não posso. Não consigo. Ele estava aqui até outro dia.

De vez em quando, fazíamos a feira da semana. A gente passeava na pracinha do bairro.

De vez em quando.

Ele nunca deixou de comparecer as suas festas e aniversário. Cê está me ouvindo? Nunca poupou na hora de comprar seus presentes. Muitos sapatos, só roupa da moda (tudo muito caro).

Seu pai sempre trabalhou muito. Um exemplo para seus tios.

Ele trabalha muito! Trabalha tanto que de vez em quando esquecia a data do nosso casamento, do meu aniversário. Sei que o dia das mães era ocê quem o lembrava via escola.

Seu pai nunca foi com a gente ao shopping. De todos os anos, só passou um Natal aqui.
“O cargo de confiança na empresa me priva de muita coisa, amor”.

Após ouvir essa frase centenas de vezes, deixei de me envolver com os assuntos da empresa onde ele trabalha, trabalha muito. Por outro lado, nas festinhas, já ia com o discurso prontinho: “O Jefferson está viajando a trabalho”.

Sempre a trabalho, meu filho! Sempre. Só que não desejo isso para sua vida, nem para a vida de nenhuma mãe, esposa.

“Meu pai casou com o trabalho? ”

“Antes fosse, menino, antes fosse. Já estamos partindo. Cê me ajuda com as malas? ”

“Tá de madrugada ainda, a hora, mãe. O que vamos fazer? ”

“Tem um hotel não muito longe daqui”

“?”

“Lá vou tentar esquecer meu marido, enterrar os últimos anos e rir do tanto que ele trabalhou para sustentar as duas famílias ...”

Nessa hora, depois de tanta conversa, o moleque despertou de vez e se desesperou com as lágrimas da mãe insone.

“Ele continua sendo seu pai”.

“?”

“O Uber tá chegando. Vamos? ”  

... farelos por aí ...



O autógrafo no meu exemplar é do dia 1º de junho/2019. Adquiri o livro “Dente de leão: a sustentável leveza de ser” assim que o Sacolinha postou a respeito do pré-lançamento.  

Só agora, porém, tive a oportunidade de ler e apreciar todas as crônicas que compõem a obra.  

Se eu admirava o trabalho do escritor, desde o primeiro contato lá em “85 letras e um disparo”, admirava-o pela disponibilidade de sempre, ao conceder uma das primeiras entrevistas para este blog; a gravar um vídeo especial sobre Carolina Maria de Jesus para meus alunos;  com a publicação dessas narrativas, confesso: tornei-me ainda mais fã desse companheiro das letras.  


Por que?

Em “Dente de leão: a sustentável leveza de ser”, o leitor conhecerá outros importantes capítulos da vida e obra do Sacolinha: episódios da infância (poesia da memória); trampos que o artista desenvolve na sua quebrada; a biblioteca ostentação e, de quebra, um rolê pelo centro, entre tantas outras histórias.

A “leveza de ser”, que indicada no subtítulo do livro, está presente em todas as crônicas. Refiro-me à linguagem enxuta, direta, à prosa envolvente do escritor de Suzano, cidade da Grande São Paulo.

Às vezes, fica a impressão de que estamos em uma mesa com autor, tomando aquele café gostoso. Leveza para nossos dias — tempo para o diálogo. É que essa obra é, sem dúvida, um convite ao bate-papo sobre inúmeros assuntos do cotidiano.

Impossível não se encantar com as ideias do grande Sacolinha, com sua leitura dos livros, letras de música, filmes, cruzamento das linguagens distintas; do seu olhar poético e inquieto para o mundo a nossa volta.

Sucesso, mano!

Um forte abraço,

... farelos por aí ...  




Nas últimas semanas, venho lendo e refletindo um pouco mais sobre o trabalho de Edgar Allan Poe, consagrado escritor norte-americano. E quero, neste texto, compartilhar parte da minha experiência. Por outro lado, vou avisando que não se trata de uma análise das narrativas, muito menos um apanhado da biografia do contista. Nada disso. Quero, pois, trocar figurinhas com meus leitores e, claro, com fãs de Edgar Allan Poe, certo?     
   

 A pergunta que mais recebi nos últimos dias foi mais ou menos essa: onde está o terror nesse autor, professor? Talvez no ato da leitura, no jogo imbricado e irônico que o narrador-personagem busca estabelecer conosco, pobres leitores. É o que podemos perceber nas repetições na fala daquele responsável pelo tum-tum-tum do “Coração Delator”. Talvez, no discurso frio e perturbador daquele sujeito que se envolveu com “O Gato Preto”. Ou ainda, quem sabe, no sonambulismo aterrorizante de Egeu que encontrou nos lindos dentes de “Berenice” o reflexo do seu vazio.  


O mesmo vazio que morava em um dos olhos de Plutão. Ou seria a ausência de razão nos atos do seu bêbado dono? O vazio do olho de abutre, maligno; o vazio daquele velho cruelmente assassinado na oitava noite por uma pessoa de pensamento vazio.                                                                             
 Aos poucos, no virar das páginas, Edgar Allan Poe vai nos enchendo de vazios, mistérios e medo. Como assim? “Ser enterrado vivo é, sem dúvida alguma, o mais terrível dos extremos que já incidiram à fortuna da mera mortalidade”. Nesse cenário de “Enterro prematuro”, percebemos o quanto somos frágeis, diante da “frialdade inorgânica da terra”.  

Os personagens dessa obra lançam uma “teia de penumbra” em nossas imagens, antes, nítidas. Penumbra que, paradoxalmente, ilumina as fronteiras entre vida/morte, silêncio/ruído, pecado/perdão.  

Nessa pequena imersão no universo de Edgar Allan Poe, constata-se que “a miséria é múltipla e a desgraça do mundo, multiforme.”


Bem, não quero mais roubar seu precioso tempo, discorrendo sobre a obra do contista. Nada disso! Quero que você faça suas leituras, seus percursos. E, para isso, deixo algumas pistas:

ü  Onde se encontra o narrador-personagem? De onde ele fala?
ü  Em quais condições eles se encontram?
ü  Quais imagens a ação dos protagonistas deixam entrever? O que elas apontam?
ü  De que modo os contos são narrados?
ü  O espaço é elemento importante na atmosfera do conto?
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Entre um porão e outro, espero encontrá-lo(a) para um diálogo sobre esse “estranho catálogo das misérias humanas”

Boa leitura! 

Crédito das imagens deste texto: Edições BesouroBox
Prefácio: Caio Riter
Tradução: Jorge Ritter
Preço do livro: 38,00

A Menina sabe o quanto o pai gosta da Clarice. Com frequência, ouço dela a seguinte pergunta: “Esse livro grossão de contos aí quem te deu? ”  Verdade! A Menina me presenteou com todos os contos da Clarice Lispector.

Por outro lado, o que essa Menina não sabia é que eu nunca tinha lido uma obra infantil da Lispector. Nenhuma

Outra surpresa!

Um dia desses aí, a Menina veio me mostrar um dos tesouros da rainha:

“Jura! Você pegou um livro da Clarice Lispector na biblioteca da sua escola? ”

“É ué! Você não está vendo? ”

É que pai fica meio abobado diante de umas cenas assim... (sem palavras). Não é todo dia que uma garota com quase-quae dez anos tira da mochila um exemplar de “O Mistério do Coelho Pensante”, concorda?         

“Não me conte nada a respeito desse livro. Nada de spoiler, viu? Vou ler e depois a gente conversa com a respeito, combinado? ”

A Menina balançou a cabeça em tom desafio:

“Vou ler muito antes de você”.

E leu.

Entre uma prova e outra, semana da criança, um resfriado, febre; o livro ficou esquecido no fundo mochila até o dia de em que não resisti...  

Fui gatinhoso. Sem pedir licença, sem saber se a tal Menina já havia percorrido aquelas páginas. 

Por que o nariz do coelho é cor-de-rosa?

O que os coelhos pensam dos seres humanos?

A verdade é que encontrei uma Clarice muito diferente daquela das obras adultas. Lúdica, muito engraçada, divertida para crianças de todas as idades. Inteligente como sempre. 

Li a o livro duas vezes por não acreditar que estava diante de uma narrativa tão agradável e tão cheia de laços, com diálogos mil.

A verdade é que estava louco para sentar com a Menina para contar minhas impressões. Fui todo entusiasmado e ela me brecou.

“Ah, você gostou? Eu amei. Mas acho que você vai pirar mesmo é com esse outro aqui.”

De repente, ela foi ao fundo do guarda-roupa e de lá me apresentou um outro título.

A Menina do Baú Vermelho exibiu toda contente o segundo livro infantil da rainha: “A vida íntima de Laura”.

Amanhã, ela vai completar dez anos. Esse é, sem dúvida, um dos maiores presentes que nossa filha nos dá: descobrir Clarice Lispector.   



... farelos por aí ...



Antes dos dez, um miúdo, lá nos ventos mágicos do entroncamento de Serro e Dom Joaquim, tive os primeiros exercícios de contemplação.

Toda quarta era dia de ir à fazenda do Seu Zé Ribeiro. Dia de comprar leite para tia Celeste, Chico e Mané.

Era um compromisso, uma tarefa que algum adulto determinou para um moleque arteiro. Sé que, agora, com o cantar dos anos, compreendo que não foi obrigação.

Claro que naquelas estacoes da vida, eu não entendia as lacunas da economia e o porquê de todo mês o preço do leite subir. O vaqueiro Lúcio afirmava “avise pros seus tios que a culpa é do presidente”.

Minha preocupação era outra: a solidão do caminho com suas voltas, o retorno na semana próxima.

Agora, vai tudo se iluminando... buscar leite para os três era uma forma de me enroscar ao silêncio. Foi a partir desse encontro que passei a escrever sem lápis, a dançar fora dos ritmos da vida comum.

“Esse filho de Eva está meio panado das ideias. Tão menino ainda”. É o que o povo diria se trombasse comigo em alguma encosta.

A cabeça tava lá na água suja pra pescar mandi de dia. O pé de manga lindo de flores. “Vai sê cada teteia, Zezé! ”

E o silêncio, um dia, correu atrás dos marimbondos. Atrevido, fui lá e interrompi o silêncio do lar deles. Que pedrada! Nunca corri tanto. Quase caí na lagoa, mas como dó a raiva daqueles bichinhos. Costas inchadas.

Minutos depois, estava lá chutando outras pedras, puxando diálogos com as pinturas do céu, mergulhado nas cores do silêncio.

Eu não sabia, mas essa queda pela prosa, migalhas da fala, pelo canto do grito, que tudo isso chegou antes de eu completar dez anos.

Escrevo para me descobrir. Às vezes, enroscar-me ao silêncio.

... farelos por aí ...


Fiquei um longo tempo sem escrever. Esqueci como se faz isso em um diário. Sei que não há problema com esse tipo de perrengue.

Se não quiser perder seu tempo, abandone a leitura dessa joça. O que lê é o rascunho de um sujeito em esboço.

Antes de chegar a esse formato, escrevi a lápis, num caderno velho, tudo com a certeza de que ninguém leria. Eu não tenho leitores. Meus dias estão contados. Os seus não?

— Pare de ler e me dê isso aqui. Vamos continuar a consulta.    

O mundo está se destruindo sob o efeito de antítese.

— Do que p senhor estava falando mesmo?

— O último “Auto da Compadecida”, montagem de um grupo foda (perdoe-me, esse tipo de palavra não pode) lá de Belo Horizonte, teve cenas vaiadas e aplaudidas ao mesmo tempo.

– Ahn? O senhor está bem?

— Não era uma partida de futebol, doutor? Aonde é que é que isso vai parar? Parece que a vida só tem dois lados, vencedor e perdedor, sol e lua, dia e noite. Gente, e o tempo para pensar, refletir e viver e...

— As vaias e os aplausos te incomodaram?

— Que pergunta idiota é essa? Ainda bem que estudou para ouvir. Quero meu diário de volta.

— Continue escrevendo, você precisa. Até semana que vem ...

A vontade era mandar esse psicanalista do Sul para a cidade de Bacurau.

... farelos por aí ...


Incentivo à leitura no Colégio Santa Maria Minas Floresta.

Na última sexta-feira 13 (set), estreei a série “Uma traça na minha sala”. A “invasão cênica” ocorreu nas turmas do 4.º e 5.º anos do Ensino Fundamental e contou com a participação dos alunos e professoras.

Nesse breve encontro, no papel de uma traça, falamos da importância da leitura, lemos o livro “Como nascem os pássaros azuis”, de Walter Lara; discutimos sobre as aventuras da célebre “Chapeuzinho Amarelo”, de Chico Buarque, com ilustrações do Ziraldo e ainda tive tempo de responder algumas perguntas sobre o processo de criação literária.
Foi um encontro mágico!  Agora é aguardar o convite para mais invasões...


Ficha técnica:
direção: Leandra Pacífico
concepção e seleção de texto: A menina do Baú Vermelho
atuação: Farelo

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