Antes dos dez, um miúdo, lá nos ventos mágicos do entroncamento de Serro e Dom Joaquim, tive os primeiros exercícios de contemplação.

Toda quarta era dia de ir à fazenda do Seu Zé Ribeiro. Dia de comprar leite para tia Celeste, Chico e Mané.

Era um compromisso, uma tarefa que algum adulto determinou para um moleque arteiro. Sé que, agora, com o cantar dos anos, compreendo que não foi obrigação.

Claro que naquelas estacoes da vida, eu não entendia as lacunas da economia e o porquê de todo mês o preço do leite subir. O vaqueiro Lúcio afirmava “avise pros seus tios que a culpa é do presidente”.

Minha preocupação era outra: a solidão do caminho com suas voltas, o retorno na semana próxima.

Agora, vai tudo se iluminando... buscar leite para os três era uma forma de me enroscar ao silêncio. Foi a partir desse encontro que passei a escrever sem lápis, a dançar fora dos ritmos da vida comum.

“Esse filho de Eva está meio panado das ideias. Tão menino ainda”. É o que o povo diria se trombasse comigo em alguma encosta.

A cabeça tava lá na água suja pra pescar mandi de dia. O pé de manga lindo de flores. “Vai sê cada teteia, Zezé! ”

E o silêncio, um dia, correu atrás dos marimbondos. Atrevido, fui lá e interrompi o silêncio do lar deles. Que pedrada! Nunca corri tanto. Quase caí na lagoa, mas como dó a raiva daqueles bichinhos. Costas inchadas.

Minutos depois, estava lá chutando outras pedras, puxando diálogos com as pinturas do céu, mergulhado nas cores do silêncio.

Eu não sabia, mas essa queda pela prosa, migalhas da fala, pelo canto do grito, que tudo isso chegou antes de eu completar dez anos.

Escrevo para me descobrir. Às vezes, enroscar-me ao silêncio.

... farelos por aí ...


Fiquei um longo tempo sem escrever. Esqueci como se faz isso em um diário. Sei que não há problema com esse tipo de perrengue.

Se não quiser perder seu tempo, abandone a leitura dessa joça. O que lê é o rascunho de um sujeito em esboço.

Antes de chegar a esse formato, escrevi a lápis, num caderno velho, tudo com a certeza de que ninguém leria. Eu não tenho leitores. Meus dias estão contados. Os seus não?

— Pare de ler e me dê isso aqui. Vamos continuar a consulta.    

O mundo está se destruindo sob o efeito de antítese.

— Do que p senhor estava falando mesmo?

— O último “Auto da Compadecida”, montagem de um grupo foda (perdoe-me, esse tipo de palavra não pode) lá de Belo Horizonte, teve cenas vaiadas e aplaudidas ao mesmo tempo.

– Ahn? O senhor está bem?

— Não era uma partida de futebol, doutor? Aonde é que é que isso vai parar? Parece que a vida só tem dois lados, vencedor e perdedor, sol e lua, dia e noite. Gente, e o tempo para pensar, refletir e viver e...

— As vaias e os aplausos te incomodaram?

— Que pergunta idiota é essa? Ainda bem que estudou para ouvir. Quero meu diário de volta.

— Continue escrevendo, você precisa. Até semana que vem ...

A vontade era mandar esse psicanalista do Sul para a cidade de Bacurau.

... farelos por aí ...


Incentivo à leitura no Colégio Santa Maria Minas Floresta.

Na última sexta-feira 13 (set), estreei a série “Uma traça na minha sala”. A “invasão cênica” ocorreu nas turmas do 4.º e 5.º anos do Ensino Fundamental e contou com a participação dos alunos e professoras.

Nesse breve encontro, no papel de uma traça, falamos da importância da leitura, lemos o livro “Como nascem os pássaros azuis”, de Walter Lara; discutimos sobre as aventuras da célebre “Chapeuzinho Amarelo”, de Chico Buarque, com ilustrações do Ziraldo e ainda tive tempo de responder algumas perguntas sobre o processo de criação literária.
Foi um encontro mágico!  Agora é aguardar o convite para mais invasões...


Ficha técnica:
direção: Leandra Pacífico
concepção e seleção de texto: A menina do Baú Vermelho
atuação: Farelo


Através da janela
De um quarto de hotel
Meus olhos enxergam
Uma chuva fina
Me sinto sozinho
Te espero, menina

Olho pro relógio
Ainda são 2 da matina
A madrugada é vazia
Triste e cretina
Na escola da vida
O poeta ensina:
Disserte seu mundo
Em forma de rima

Através da janela 
De um quarto de hotel
Meu coração derrete
Numa folha de papel
Derrete, coração
Derrete em linhas de cordel
Eu trafico poesia
Vivo em busca de um cartel

Meus pensamentos tão confusos
Tô vivendo um escarcéu
Eu vivo uma guerra
Minha mente é o quartel
As linhas? São lindas
Doces como mel
Uma explosão de sensações
Sentimentos ao léu

Abre o coração
Diz o que te machuca
Levanta pra vida
E acorda pra luta
Aguente, seja forte
A batalha não é curta
A vida é só 
Uma filha da puta!

Admirando as estrelas
Olhando pro céu 
Através da janela
De um quarto de hotel.




| Quarto de hotel |
Guilherme Motta  é estudante da 1ª Série do Ensino Médio, foi um dos destaques na curadoria do Café Literário 2019 e é fã declarado do Hip Hop.



– Pode excluir esse cara.

– É mesmo. Ele não se manifesta.

– Nem vai sentir falta. Não vai fazer diferença.

O “cara” de quem eles estavam falando sou eu. Escrevo esta crônica para comunicar que acabaram de me excluir de mais um grupo do WhatsApp. Não me importo. Eles estão cobertos de razão.  

Será que alguém parou pra pensar que há grupo demais?

Grupo da família, do trabalho, da pelada do domingo de manhã, grupo de estudos, das amigas, da galera das antigas, dos pais da escola, grupo da zoeira (ai que canseira!) 

Devem achar que sou um péssimo usuário dessa rede social. Não aprendi a dar bom dia todo dia. Sou um péssimo abreviador de palavras. Demoro um tempão para responder. Aprendi a mexer com as carinhas recentemente. Aquelas figurinhas, então? Sem chance. 

Falta jeito, tempo, habilidade. Por isso mesmo, agora, estou apenas em 08 grupos e mal mal dou conta de acompanhar três deles. Graças ao bom Deus, meus amigos são pacientes e compreendem esse meu lado assim ... antissocial na rede.

Você está em quantos grupos?



A cada vez que lemos, conhecemos novas histórias e, consequentemente, novas pessoas. Além disso, somos capazes de descobrir diferentes faces de um mesmo autor, como no livro indicado deste mês, em que o escritor John Green, járeconhecido por suas narrativas emotivas e amada pelos jovens. Agora, porém com sua nova obra, “Tartarugas até lá embaixo”, conhecemos uma nova versão desse narrador tão consagrado contemporaneamente.

Ao iniciar a leitura, conhecemos a perspicaz Aza, uma adolescente de 16 anos, que tem que conviver com seu Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Aza descobre uma pista sobre um desaparecimento famoso na cidade, em que há uma recompensa de 100 mil dólares e, prontamente, pede ajuda à sua melhor amiga, já que possuíam uma amizade antiga com o filho do milionário desaparecido.
 
Além da trama principal, é muito interessante observar a relação de Aza com sua própria personalidade e o controle de sua mente, e de que maneira o TOC influencia na sua convivência com os outros em sua volta. Aos poucos, vamos nos identificando e até nos solidarizando com a personagem. John Green fez uma ótima escolha em colocar características tão fortes em um livro tão tranquilo e cativante.

Gosto mesmo é de estar com os leitores! Não importa a idade, mas quando sou chamado para conversar com a crianças e adolescentes sobre o trabalho do escritor... Hummm!  Faço festa com as palavras, viajo para reinos distantes, embaralho o final das histórias e, claro, ficamos emocionados.


Na biblioteca do Instituto Ramacrisna, que fica na cidade de Betim, não foi diferente. Convido-lhe a ler essa sequência de fotos e a descrever as impressões desse encontro mágico com a literatura.  








Não, filha. Não podemos dizer que liberdade é sinônimo de independência na história do Brasil.

Nunca fomos independentes de Portugal. Aquilo lá foi uma péssima encenação de um moço desmiolado, zoeira com nossa cara.

O Brasil também nunca foi descoberto, mas sobre isso falaremos numa outra hora.

— Então, não tem independência?

— Também não tem liberdade.

—  Cê num tá exagerando, pai?

— Há um monte de poderosos gritando pela nossa prisão. “Venham! Podem levar tudo, inclusive, nossas riquezas, a Amazônia, a educação, a pesquisa, a cultura. Venham acabar de vez com esse povo que país de verdade é ...

— Por que cê tá falando assim?

— Você acha que tenho liberdade para falar e escrever o que quiser? Não posso emitir minha opinião em todos os espaços. Não posso.

— Liberdade de expressão?  


Arte: Danielle Noronha 
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