Incomoda-me a mecanicidade
das “batidas”. Deve haver alguma autenticidade no girar da chave de uma
conversa corriqueira. A pessoa sempre começa a fiar um assunto sobre o excesso
de calor, ou suspira indignado com a falta da chuva?
Não.
Não há uma luva para todas as partes do corpo. Como alguém conseguiu luvar os
poros do diálogo, em situações introdutórias de comunicação?
Que
seja cru, mas sem crueldade! É que deveríamos procurar uma xícara de crueza
nesses contextos anteriores a uma conversa. Nada de começar uma prosa qualquer,
falando do tempo, do time de futebol, da situação execrável da política
brasileira.
Que
seja cru, porém sem crueza! É que deveríamos procurar umas palavras que não se
encontram azulejadas no chão do cotidiano. Nada de começar uma fala qualquer,
recorrendo ao emprego daquela expressão que fará com que o outro indivíduo se
sinta um robô.
Que
tal enunciar vocábulos que afastem dos interlocutores a resposta com
interjeições bovinas ou monossílabas?
Que
seja aprazível pensar no que o outro entoa, tendo que lhe dirigir um olhar de
atenção. Gostaria muito de encontrar ditos-cujos que começassem assim a
conversa:
– E
aí, você viu quantas formigas já atravessaram a rua?
–
Nossa, moça, será que alguém contou quantas telas o céu pintou nas últimas
horas?
–
Menino do céu, você viu que político foi aquele que escalou do inferno pra cá?
– Se
este elevador acuar, vamos ter mais tempo para jogar fora. Legal, não é?
–
Estou distribuindo abraços para todas as idades. Você aceita esse tipo de
doação?
– De
lance em lance, que você alcance o principal lance, nesse jogo que é a vida.
De
repente um moço bateu no meu ombro:
“Com
licença, meu querido.”
–
Pois sim, qual sua contribuição para essa crônica que se desenrola aqui e
agora, nesta esplendorosa noite? – quis ser atencioso com o senhor.
“Nada,
não meu filho. Com quem você estava conversando mesmo? São 04h45 da manhã e
você nesse ponto solitário...”
– Eu?
“Com
que fantasmas você desembolava suas ideias?”
–
Gostei dessa indagação, meu senhor. Assim se começa uma conversa!
Depois daquela
madrugada, vou ser acordado com outras vontades de começar uma prosa.
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